quinta-feira, 29 de março de 2012

CURSO DE LATIM NA UERJ I

O sujeito numa oração pode ser representado por substantivo, pronome ou outra palavra, até mesmo frase, que o substitua:

Caesar eius dextram prendit (César, B. Gal. 1,20,5)

Historia est testis temporum (Cícero, De. Or. 2,9)

Impedimentis castrisque nostri potiti sunt (César, B. Gal. 1,26,4)

Non sentire mala sua non est hominis (Sêneca, Cons. Pol., 36)

Dulce et decorum est pro pro patria mori (Horácio, Od. 3,2,13)

Pater huc me misit... meus (Plauto, Amph., 20)

Di me servant (Plauto, Aul., 207)

Is ex se hunc reliquit qui hic nunc habitat filium (Plauto, Aul. 22)

Illa illum nescit (Plauto, Aul. 30)


Os verbos que significam 'dizer', 'relatar', 'contar', empregados na terceira pessoa do plural indeterminam o sujeito:

Aiunt hominem respondisse (Cícero, Amer.,33)

Se Massiliam, ut aiunt, conferet (Cícero, Cat. 2,14)

Noluit, inquiunt, hodie agere Roscius (Cícero, De Or.,1,124)

Paulo Barbosa

quarta-feira, 21 de março de 2012

PROGRAMA DO CURSO DE LATIM NA UERJ


O CURSO DE LATIM que se iniciará na UERJ em 24 de março, aos sábados, abordará a gramática morfossintaticamente. Os textos para tradução serão os do livro do latinista brasileiro, Prof. Ernesto Faria, "O Latim pelos textos", trechos escolhidos e graduados para o estudo do latim.

O primeiro texto de leitura será de Sexto Rufo, autor do século IV da era cristã, que compôs o "Breviarium De Victoriis et Provinciis Populi Romani", "Breviário sobre as Vitórias e Províncias do Povo Romano". Este livro foi muito estimado pelos contemporâneos, muitos dos quais o copiaram e, desde a Renascença, foi muitas vezes reeditado, aliás com muitos títulos diferentes.

O latim de Rufo, ainda que com alguns deslizes e imperfeições comuns a todos os escritores do século IV, possui notáveis qualidades de clareza e precisão. Contudo, é sempre um latim de escritor romano autêntico e por esse motivo mesmo é mais recomendável para os principiantes no latim do que qualquer outro mau latim criado no século XIX ou XX.


O segundo texto será de Eutropio, que viveu também no século IV da era cristã e foi autor do "Breviarium Historiae Romanae", "Breviário da História de Roma", dedicada ao Imperador Valente, que reinou de 353 até sua morte, em 378. Esta obra, desde a antiguidade e durante toda a Idade Média, gozou de grande renome, tendo até merecido várias traduções em grego.

O latim de Eutrópio é como que especialmente indicado para a iniciação do estudo do latim por suas extraordinárias qualidades de clareza, precisão, simplicidade e pureza, qualidades estas reconhecidas unanimemente por todos os latinistas.


O terceiro texto será de Fedro, fabulista latino do século I da era cristã. Foi autor de Fábulas, em cinco livros, abrangendo 90 fábulas em versos senários iâmbicos. A maioria dos assuntos foi tomado de Esopo, fabulista grego, acrescentando Fedro mais algumas fábulas, provenientes de outras fontes ou inventadas por ele para criticar os contemporâneos.

A língua e o estilo de Fedro, no dizer de Laurand, são clássicos, primando pela pureza do gosto, semelhante ao latim da época de Augusto.


O quarto texto será de Cornélio Nepos, também do século I da era cristã. Foi autor do "De Viris Illustribus", "Sobre os homens ilustres", obra biográfica acerca de homens de grande monta dos idos tempos. Era amigo dos mais eminentes representantes do mundo literário clássico, tais como Cícero, Hortênsio, Pompônio, Ático e Catulo. Este último dedicou a ele seu livro de poesia.

O latim de Nepos é bom, não se encontrando deslizes ingentes e seu estilo é de primeira ordem. É verdade que se acha construções arcaicas e outras de cunho familiar e em alguns períodos, vocábulos de emprego raro na língua latina, mas nem por isso há demérito em sua obra.


O quinto texto será excertos de César, nascido em Roma, em 100 antes de Cristo, autor dos "Comentarii De Bello Gallico", "Comentários sobre a Guerra Gauleza", narrativa viva e ágil, sem pormenores inúteis, composta com frase sempre natural, seja curta, seja um longo período, onde os fatos são perfeitamente bem coordenados, de modo que nada pode ser retirado nem posto.

O latim de César é autenticamente clássico, possuindo grande pureza, sem palavras vulgares, obsoletas ou poéticas. É um latim de uma precisão quase absoluta, conciso e de simplicidade na construção, levado muitas vezes a um apuro que nem mesmo sequer Cícero conheceu. Tudo fez de César um mestre ao qual, em toda a língua latina, só Cícero poderá ser comparado e manter-se em situação de igualdade, sem ser relegado para a penumbra de um segundo plano.


O sexto texto será excertos de Cícero, nascido em 106 antes de Cristo, autor de inúmeras obras de variados gêneros.

O latim de Cícero é absolutamente clássico, de extrema correção e pureza. O estilo é, por excelência, natural, verdadeiro, sem constrangimento nem rigidez. Conseguiu Cícero imprimir à língua musicalidade, harmonia, como nenhum outro autor latino, ultrapassando, mesmo, os prosadores gregos, com excessão de Isócrates.


Além da gramática e dos textos graduados, os alunos deverão, por esforço próprio, estudar aspectos da Cultura Romana, grande auxilar no estudo de qualquer idioma para sua melhor compreensão.

Paulo Barbosa

segunda-feira, 19 de março de 2012

ROMÂNIA

ROMÂNIA é o nome pelo qual se convencionou denominar toda a área geográfica que, em virtude das conquistas romanas, foi latinizada.

Sabe-se que nem sempre onde chegaram as legiões romanas, a língua latina se impôs, haja vista, por exemplo, a Grécia que, por sua cultura sedimentada e forte, jamais cedeu ao idioma dos romanos. Entretanto, regiões houve que foram latinizadas, mas devido a fatores históricos, perderam o lastro romano, como, por exemplo, o norte da África, onde hoje em dia só se encontram vestígios arqueológicos da antiga conquista, mesmo tendo, em tempos passados, tido inegável fastígio.
O norte africano, no século II da era cristã, estava completamente romanizado e possuía até mesmo um vasto centro literário, cuja tradição vai de Apuleio a Tertuliano e Agostinho de Hipona, o santo. Este latim falado na África teve estreitas relações com obras cristãs que constituindo a única literatura notável da decadência romana se tornaram os verdadeiros agentes da formação do latim medieval. Isso quer dizer que existiu também uma România africana.

Os vestígios dessa romanidade africana florescente foram dispersos e apagados pelo tufão das invasões dos Vândalos, em 439, sob o comando de Genserico; em seguida, pelos bizantinos que, sob Justiniano, na Batalha de Tricameron, em 533, anexaram todo o território setentrinal da África ao Império Bizantino; e, por fim, pela invasão árabe começada por volta de 640, onde os últimos clarões do antigo império romano foram extintos.
Numa grande extensão da Europa, entretanto, os romanos deixaram gravados, de modo indelével, na tradição linguística, a antiga conquista. Isso pode ser atestado ainda hoje nas línguas românicas, cheias de vigor e viço.
Tal romanização não foi, porém, obra apenas de um povo guerreiro. Acima de tudo, os romanos foram hábeis colonizadores e sabiam conduzir os povos conquistados, respeitando os seus direitos, suas religiões, prerrogativas e interesses.
Assim, no tempo de Vespasiano (41 e.C.), a Espanha possuía já direito de cidadania; Caracalla (197) promulgou o famoso edito pelo qual concedia igual direito a todos os súditos imperiais. Ulpiano, famoso jurista romano do século III, deixou-nos a versão de tal edito:

"In orbe romano qui sunt ex constitutione Imperatoris Antonini cives romani effecti sunt"
Este fato de enorme alcance político fez o poeta Rutílio Namaziano escrever o seguinte dístico:

"Fecisti patriam diversis gentibus unam

Urbem fecisti quae prius orbis erat".

O prestígio de Roma, além de dominar quase todo o Ocidente da Europa, deixou, no próprio Oriente europeu, o rumeno como 'lontana voce romana', no dizer de Savj-Lopez.
Não se pode esquecer, todavia, que a România, abrangendo todo esse enorme território, não constituiu, jamais, substrato étnico uniforme. Foi apenas um substrato linguístico, fruto de um fato histórico: a conquista romana.
Em termos estritos, então, esta é a conceituação da România. De romani tirou-se o vocábulo România para designar o mundo romanizado.

Paulo Barbosa

APÓCOPE DA SIBILANTE EM LATIM

A queda do S final é fato antigo na língua latina. Já Quintiliano (35-95 e.C.) observara que os antigos romanos omitiam constantemente o S no fim dos vocábulos. Documentos, também, colhidos em inscrições, evidenciam a antiguidade deste fato. Por exemplo, nas inscrições primitivas, notam-se estes exemplos:

BONU por BONUS

CORNELIO por CORNELIOS

NEPOTI por NEPOTIS

PIETA por PIETAS

MATRONA por MATRONAS

Esta apócópe não era somente observada no latim, pois o mesmo fenômeno foi frequente no úmbrio e, em algumas vezes, também documentado no falisco.

Nas línguas românicas ocorreram fatos análogos. No italiano, por exemplo, pode-se averiguar:

AMATIS que deu AMATE

SENTIS que deu SENTI

DAS que deu DAI

TRÊS que deu TREI (arcaico) e TRE

Paulo Barbosa

LÍNGUA ROMÂNICA I: FRANCÊS

O FRANCÊS é o idioma que resultou do latim vulgar que era falado no norte da França e era denominado 'langue d'oil'. 'Oil' era um advérbio afirmativo derivado de hoc illic ou hoc ille.

No século IX, chamava-se 'língua francisca', e isso para fazer oposição à 'língua theodisca', ou seja, alemã. E é de 'francisca' que se deriva 'françoise' e, desta forma, 'française'.

O francês foi a primeira língua românica que teve documento literário: o famoso 'Le Serment de Strasbourg"  'O Juramento de Estrasburgo", texto firmado em 14 de fevereiro de 842, onde os filhos de Carlos Magno, Carlos o Calvo e Luis o Germânico fizeram promessa solenizando aliança contra o irmão Lotário I, Imperador.

A 'langue d'oil' possuía vários dialetos:

- o da Normandia, que foi levado à Inglaterra, onde se conservou até o século XIV.

- o da Picardia.

- o Valônico, que fazia fronteira com a Flândria.

- o da Champagne.

- o da Borgonha.

- o de Angers.

- o da Isle de France, que preponderou como idioma e deu o francês de hoje.

Todos estes dialetos, no século XV, perderam a tradição literária e passaram a ser falares puramente regionais. Somente o dialeto central, o da Isle de France, adquiriu foros de língua.

Os principais monumentos literários produzidos na 'langue d'oil' são:

- Cantilena de Santa Eulália, do ano 900.

- La passion du Christ, século X.

- Vie de Saint Léger, do mesmo século X.

- Chanson de Roland, do século XI. Este poema teve larga difusão durante toda a Idade Média.

Paulo Barbosa

domingo, 18 de março de 2012

A MÚSICA SEGUNDO ISIDORO DE SEVILHA

Isidoro de Sevilha, em suas Etimologias, assim disserta sobre a Música:

Musica est peritia modulationis sono cantuque consistens. Et dicta Musica per derivationem a Musis. Musae autem appellatae 'apo tou masai', id est a quaerendo, quod per eas, sicut antiqui voluerunt, vis carminum et vocis modulatio quaereretur. Quarum sonus, quia sensibilis res est, et praeterfluit in praeteritum tempus inprimiturque memoriae. Inde a poetis Iovis et Memoriae filias Musas esse confictum est. Nisi enim ab homine memoria teneantur soni, pereunt, quia scribi non possunt.

"A Música é a destreza na modulação, consistente no som e no canto. Se chama música por derivar de 'musa'. O nome das Musas, por sua vez, tem sua origem em másai, quer dizer, 'buscar', já que por elas, segundo creram os antigos, se buscava a vitalidade dos poemas e a modulação da voz. Seus cantos, sendo coisa que entra pelos sentidos, remontam à noite dos tempos e se imprimem na memória. Daí que os poetas tenham imaginado as Musas como filhas de Júpiter e de Memória, pois se seus sons não se gravassem na memória, se perderiam, porque não podem ser recolhidos por escrito".

Paulo Barbosa

sexta-feira, 16 de março de 2012

LATIM MEDIEVAL: LÍNGUA VIVA OU MORTA?

O LATIM MEDIEVAL é aquele latim que foi se formando e desenvolvendo a partir do século IV d.C. na Europa. Era uma língua viva ou morta? Quanto a esta questão, os autores divergem, e esta divergência foi recolhida por Christine Mohrmann em seu célebre artigo Le dualisme  de la latinité medíevále.

Karl Strecker afirma que o latim medieval seria desenvolvimento normal do latim clássico utilizado como meio de expressão pelos escrivães da Baixa Latinidade.

M. E. Lofstedt, porém, julga ser o latim medieval uma língua viva em curso normal e orgânico durante a Idade Média.

Franz Blatt considera toda latinidade, e com isso, o latim medieval, uma só unidade, concluindo daí que tanto o latim tardio quanto o medieval formam um continuum.

M. Bieler vê no latim medieval uma 'comunidade de ideias' - Ideengemeinschaft -, uma língua viva sem nacionalidade, sem povo, não sendo, por isso mesmo, universal, mas sendo usado na Idade Média como língua auxiliar internacional.

Richard Meister considera o latim medieval como uma língua de tradição - Traditionssprache - preponderantemente falada, que evoluiu graças aos impulsos espontâneos dos falantes.

Ludwig Traube, por sua vez, considera o latim medieval como língua morta, embora ainda apresentasse possíveis modificações, evoluções.

Karl Vossler é de opinião que tal latim seria uma forma intermediária entre uma língua viva - latim vulgar - e uma língua morta - latim clássico.

P. Lehmann entende ser o latim medieval uma língua viva, mas limitada por certas conjunturas.

Paulo Barbosa

VOCATIVO NÃO É CASO

O VOCATIVO LATINO rigorosamente falando não é um caso, e isso devido a ser morfologicamente uma variante pura e simples do nominativo indicando o ser a quem se dirige. Esse é o motivo pelo qual apresenta-se isolado no início, meio ou fim da proposição. 

Como forma dotada de elemento próprio que o individualiza, o vocativo só subsiste em latim no singular dos temas em -o  / -e, masculinos e femininos, com exceção do tipo puer. Mesmo aí, o vocativo - domine - não é outra coisa senão o tema puro, com a evidente alternância vocálica do -o temático.

Paulo Barbosa

SUPINO

O SUPINO é uma forma arcaica, pouco encontrada nos autores da época clássica. É um nome verbal que, em latim, conservou três casos: o dativo, o ablativo e o acusativo. O dativo, porém, é muito raramente atestado. E mais, devido ao conflito morfológico que se deu na declinação dos temas em -u, entre o dativo e o ablativo, e também à possibilidade do emprego depois de adjetivos como facilis, ou de um 'dativo de destinação': facilis dictu, o latim optou pela construção com o ablativo.

Os dois casos empregados, portanto, são o acusativo e o ablativo. O acusativo é usado com os verbos indicativos de movimento, direção, tendência, e possui valor ativo: "venerunt postulatum auxilium" (vieram para pedir auxílio). Veja que este acusativo, assim como o ablativo, é usado sem nenhuma preposição, o que atesta a antiguidade da forma.

Já o ablativo do supino possui valor passivo: "visu mirabilis" (admirável de ver, isto é, de ser visto).

O supino é formado com o sufixo *-tu, e, segundo alguns indo-europeístas, é uma sobrevivência de um verbo indo-europeu *tu "encher, fazer, realizar". Assim, postulatum seria = para realizar o pedido, para fazer o pedido.

Interessante notar que muitos verbos importantes em latim não têm supino, como sum, volo e seus compostos; os impessoais, a maioria dos verbos em -eo (timeo, paveo,etc.), e os depoentes, com exclusão de ulcisci, que perderam na época clássica.

Paulo Barbosa

ORAÇÕES SUBSTANTIVAS INTRODUZIDAS POR 'UT'

As expressões impessoais bonum est, melius est, optimum est, tempus est, ius est, iustum est, opus est, usus est (usust no latim arcaico), necesse est, bem como os verbos também impessoais placet, conuenit, accedit e outros, e os que indicam manifestação da atividade, como facio, eficio, perficio, assequor, consequor, curo, consulor, cogo, compello, video, são, geralmente, construídos com a conjunção ut, formando oração substantiva, completiva do sentido de tais expressões e verbos.

Vejamos exemplos destas em Plauto, comediante úmbrio, autor de várias peças, e representante maior do latim arcaico.


Justum est ut serviat (Plauto, Rud., 220) = "É justo que sirva, isto é, que seja escravo".

Usust ut pudeat (Plauto, Epid., 167) = "É costume que se envergonhe".

Faxo ut scias (Plauto, As., 897) = "Farei com que saibas".

Cogam ut mendicet (Plauto, Bacch., 508) = "Obrigarei a mendigar".

Faciam ut cupias (Plauto, Capt., 856) = "Farei com que desejes".

Cura ut curetur (Plauto, Pers., 527) = "Cuida que se cuide".

Videtur tempus esse ut eamus (Plauto, M. Glor., 72) = "Parece ser tempos de nos irmos".

Paulo Barbosa


quinta-feira, 15 de março de 2012

PERFEITO HISTÓRICO OU AORÍSTICO

PERFEITO HISTÓRICO OU AORÍSTICO é aquele que indica uma simples ação passada sem nenhuma relação com o presente. É muito usado para indicar uma verdade conhecida por experiência comprovada, e por isso mesmo, é o tempo por excelência da narração histórica. O verbo neste tempo vem geralmente acompanhado das palavras interdum "entrementes", saepe "frequentemente", multi "muitos", nemo "ninguém", plerique "a maior parte", etc. Nos poetas, entretanto, por vezes, vem sem estas palavras.

Vejamos alguns exemplos:

Homerus fuit et Hesiodus ante Romam conditam, Archilochus regnante Romulo (Cícero, Tusc., 1.3) "Homero e Hesíodo existiram antes da fundação de Roma, Arquíloco, durante o reinado de Rômulo".

Ob eamque debilitatem animi multi parentes, multi amicos, non nulli patriam, plerique autem se ipsos penitus perdiderunt (Cícero, Fin., 1,49) "Por essa fraqueza de ânimo [o medo da morte] muitos perderam irremediavelmente os parentes, muitos os amigos, alguns a pátria, a maioria a si mesmos".

Felix qui potuit rerum cognoscere causas (Vergilio, Geo., 2,490) "Feliz quem pode conhecer as causas das coisas".

Paulo Barbosa


quarta-feira, 14 de março de 2012

EXTRAVIO EM CONCORDÂNCIA

TYRRHENUS TUBAE CLANGOR (Vergílio, En., 8, 526) "O CLANGOR DA TIRRENA TROMBETA".

FONTIUM GELIDAS PERENNITATES (Cícero, Nat., 2, 98) "A PERENIDADE DAS GÉLIDAS FONTES".

O que se vê nestes dois exemplos acima é uma excepcionalidade em latim, ou seja, os adjetivos tyrrhenus e gelidas referem-se a um grupo formado de substantivo mais complemento - tubae clangor e fontium perennitates -, mas em vez de concordar com o complemento ao qual qualificam, concordam com o substantivo. O normal seria tyrrheni tubae clangor e fontium gelidarum perennitates.

A razão desta derrogação à regra é que o grupo substantivo mais complemento é considerado como uma única unidade, e a concordância, então, é feita com a palavra predominante do grupo, ou seja, o substantivo, que no caso é o regente. Tal extravio é também encontrado somente em poesia ou em prosa poética.

Paulo Barbosa




O ADVÉRBIO NEGATIVO 'HAUD'

HAUD é advérbio de negação que se traduz por NÃO, sendo, porém, de se notar que é uma negação que se refere a uma palavra e não a uma frase, como fazem os dois outros advérbios NON e NE. Por esse motivo que o seu emprego normal é sempre antes dos adjetivos e advérbios. 

Vejamos alguns exemplos em Cícero:

Haud mediocris vir (Rep., 2,55) "Homem não medíocre".

Quod haud procul absit a morte (C.M., 15) "Porque não longe diste a morte".

Haud procul maior scriptor (Or., 151) "Escritor não pouco maior".

Apesar de seu uso normal ser antes dos adjetivos e advérbios, encontra-se usado antes do verbo scire, saber, como em Cícero:

Haud scio, inquit (Tusc., 5,35) "Não sei, disse ele".

A origem deste advérbio parece ser a forma sincopada de uma palavra que significava hilum (= um quase nada, uma pouca coisa, uma coisa sem valor) e que se juntaria a uma negação para a reforçar, passando depois a ser considerado como partícula negativa.

Paulo Barbosa


CONHECENDO O 'QUIDAM'

QUIDAM é um pronome indefinido que serve para indicar que a palavra a que se refere é indeterminada, mas até certo ponto para a pessoa que fala, ou seja, não é um pronome tão indefinido assim, embora para quem ouve o seja totalmente. Geralmente, na latinidade posterior, era substituído por CERTUS, que, entretanto, era já usado por Cícero, como em Insolentia certorum hominum (Marc., 16) "A intransigência de certos homens".

Vejamos também alguns usos de quidam em Cícero:

Habuit quamdam ille infamiam (Flac., 95) "Teve aquele uma certa infâmia" (infâmia esta que eu conheço, mas não declaro).

Video esse hic in senatu quosdam qui tecum una fuerunt (Cat., 1,18) "Vejo estarem aqui no senado certos indivíduos que estiveram juntamente contigo" (indivíduos que bem sei quais são, mas no momento não me convém dizer).

Paulo Barbosa

MARIANO BASSOLS DE CLIMENT

CapaMARIANO BASSOLS DE CLIMENT é um latinista espanhol, catedrático de Filologia Clássica na Universidade de Barcelona, muito dedicado ao estudo da fonética e sintaxe latinas. Suas obras hoje são referências obrigatórias no ensino da língua latina no mundo hispânico e luso. Foi membro da Academia de Boas Letras de Barcelona e tradutor da Vida dos doze Césares, de Salústio, saída pela Alma Mater, 1964, Barcelona.

Dentre as obras mestras dele, destaca-se a Sintaxis historica de la lengua latina, I. Introducción, Género, Número, Casos, Barcelona, 1945; II. Las formas personales del verbo, Barcelona, 1948. 

Nesta obra o autor ordenou uma grande quantidade de doutrinas da sintaxe latina, oferecendo, todavia, em alguns tópicos, hipóteses e ideias próprias, assim como fazendo referências e exemplificando com fenômenos das línguas neolatinas. A estes dois volumes, que inicialmente formavam parte de um monumental tratado projetado em sete volumes, seguiu-se uma Sintaxis latina, Madri, 1956, que compreende a totalidade da matéria e traz mais comparações com as línguas romances, sobretudo com o espanhol.

Paulo Barbosa

segunda-feira, 12 de março de 2012

AUTORES ROMANOS E HELENISMOS SINTÁTICOS

Exemplos de HELENISMOS SINTÁTICOS são o nominativo pelo vocativo; o genitivo exclamativo, como O mercis malae; o genitivo absoluto; o emprego do quod com verbos de entendimento; o emprego de si como partícula interrogativa; o uso de ille como artigo, dentre muitos outros.

Pois bem, os autores da boa latinidade que mais empregaram tais construções sintáticas próprias do grego em suas obras foram, entre os prosistas, Salústio, Tito Livio e Tácito, e entre os poetas, Catulo, Propércio, Tibulo, Horácio, Vergílio e Ovídio. Mais tarde também Estácio, Valério Flaco e Sílio Itálico.

Paulo Barbosa

segunda-feira, 5 de março de 2012

ADJETIVOS EPÍTETOS E DISTINTIVOS

O linguista francês Juret, em seu Système de la Syntaxe Latine, dividiu os adjetivos em duas classes, divisão esta bastante didática, a saber: adjetivos EPÍTETOS e adjetivos DISTINTIVOS.

ADJETIVOS EPÍTETOS, aqueles que exprimem qualidades que dizem respeito à imaginação ou ao sentimento, ou seja, qualidades que provém da subjetividade humana, afirmadas de um ser nos momentos de elogio ou censura. Por isso, é suscetível de gradação. De um modo geral, este adjetivo precede ao substantivo, sendo esta a sua posição normal. Acompanha qualquer substantivo comum para o qualificar, embora o próprio substantivo o dispense. Vejamos alguns exemplos destes adjetivos:

Ut mortalis inlucescat luce clara et candida (Amph. 547) = 'para iluminar os mortais com sua luz clara e brilhante'.

Mens sana in corpore sano (Juv. 10, 356) = 'mente em corpo são'.


Na prosa clássica, porém, o adjetivo epíteto não pode vir diretamente ligado a um nome próprio. Por esse motivo, é costume juntar ao nome próprio um substantivo comum, como vir, homo, mulier, urbs, civitas, etc.

In his primipilo P. Sextio Baculo fortissimo viro ( César, B. Gal., 2, 25, 1) = 'entre estes, o primípilo P. Sextio  Báculo, varão de extraordinária coragem'.

Aristoteles vir summo ingenio (Cícero, Tusc., 1,7) = 'Aristóteles, homem de extraordinário talento'.

Urbem pulcherrimam atque ornatissimam Corinthum sustulit (Cícero, Verr., 1,55) = 'destruiu Corinto, cidade belíssima e ornadíssima'.


ADJETIVOS DISTINTIVOS, aqueles que exprimem um traço de um ser que o distingue do ponto de vista intelectual, ou seja, fundado na inteligência, e não mais no sentimento ou imaginação. A função destes é individualizar o substantivo, caracterizá-lo, delimitá-lo, e é por esse motivo mesmo que não comporta os graus de comparação. Tais adjetivos podem, geralmente, ser substituídos por um genitivo, ou mais raramente, por outros casos. Já os epítetos jamais admitem tal substituição. Vejamos alguns exemplos de adjetivos distintivos:

Moeror patrius (Cícero, Flac.,106) = ' a aflição do pai'.

Aeneia nutrix (Vergílio, En., 7,1) = 'a ama de Enéias'.

Ostium Tiberinum ( Cícero, Imp. Pomp.,33) = 'a foz do Tibre'.

Manilianae leges (Cícero, De Or., 1,246) = 'as leia de Manílio'

Metus Parthicus (Cícero, Fam.,2,17,1) = 'o medo dos Partos'.

Familia gladiatoria (Cícero, Sest., 134) = 'grupo de gladiadores'.

Pelos exemplos dados acima, vê-se que as principais relações expressas pelos adjetivos distintivos são de dependência ou posse (1º, 2º e 3º), autoria (4º), sujeito ou objeto (5º) e espécie (6º).

Paulo Barbosa