domingo, 11 de fevereiro de 2018

ADVÉRBIOS INTERROGATIVOS: PORTUGUÊS E LATIM

INTERROGAR é palavra proveniente do latim formada por inter- 'entre' mais o verbo rogare, 'perguntar, pedir, questionar'. Pode ser definido, então, como o ato de perguntar, de dirigir interrogação a alguém e este ato geralmente é praticado empregando advérbios e pronomes denominados interrogativos.

Neste tópico estudaremos os

ADVÉRBIOS INTERROGATIVOS

Advérbio é palavra invariável que, além de modificar ou precisar mais um verbo, um adjetivo ou mesmo um outro advérbio, expressa circunstância, ou seja, expressa uma situação, um acidente ou um conjunto de condições que acompanham um fato. Daí, os advérbios interrogativos introduzirem uma pergunta exprimindo circunstâncias ou ideias de tempo, de lugar, de modo ou de causa. A interrogação enunciada pode ser direta ou indireta, ou seja, se pode interrogar começando pelo advérbio interrogativo e terminando com o ponto de interrogação (?) - interrogação direta -, e se pode interrogar de maneira mais sutil, sem colocar o advérbio interrogativo no início e o ponto de interrogação no fim - interrogação indireta.

TEMPO: QUANDO - equivale a: em que época, em que ocasião, em que tempo.


QUANDO fazes aniversário?

QUANDO chegaram?

Desde QUANDO estão aqui?

Preciso saber QUANDO será a prova.



LUGAR: ONDE, [AONDE, DONDE]

ONDE denota o lugar em que se está equivalendo a: em que lugar, em qual lugar, no qual, indicando quietação, permanência, estadia em um lugar e, portanto, o verbo usado deve ser o que indica estado ou permanência (= verbo estativo).


ONDE fica Brasília?

ONDE está Maria?

ONDE vives?

Gostaria de saber ONDE mora Maria.


AONDE é advérbio cada vez menos usado, sendo mesmo, em alguns lugares, tido já por arcaísmo. Equivale a: para qual lugar, para o lugar que, ao lugar que. É proveniente da contração ocorrida entre a preposição a e o advérbio onde e deve ser usado quando transmitir ideia de movimento em direção a um local, juntando-se, por isso, a verbos de movimento ou dinâmicos (ir, dirigir, etc). O lugar indicado por aonde geralmente é um sitio de pouca permanência.


AONDE você vai?

Para conseguir isso, tenho de me dirigir AONDE?

Papai perguntou AONDE eu ia.

Diz-me lá AONDE queres ir hoje.



DONDE é advérbio constituído pela preposição de mais o advérbio de lugar onde significando: de qual lugar, de onde, ou seja, indicando a origem ou a proveniência de algo ou de alguém.



DONDE veio esse arroz?


És DONDE? Sou do Rio de Janeiro.

Desejo esclarecimentos DONDE ele veio.


NOTAS:

O DONDE pode também indicar conclusão ou efeito de algo que já foi dito e neste caso é sinônimo de daí:


Não passa de um aluno bagunceiro, DONDE sua expulsão da escola.

É autor de renome, DONDE a indicação de seu nome para o prêmio literário.



DE ONDE é locução adverbial que indica procedência espacial significando apenas de que lugar, do qual lugar, do lugar em que.

Todos sentiam o perfume sem saber DE ONDE ele vem.


MODO: COMO

Este advérbio é proveniente do latim quo modo = 'de que maneira, de que modo'.


COMO vamos embora?

COMO João vai para a tua casa?

COMO está se sentido depois de medicado?

Desejo saber COMO Bete está se recuperando.

Contem-me COMO foram as férias.


CAUSA: POR QUE / POR QUÊ

Esta locução adverbial interrogativa significa 'por que motivo' sendo equivalente à preposição por + o interrogativo que ocorrendo sempre antes de um verbo.


POR QUE você não comprou o carro?

POR QUE não compareceram à aula?

Quero saber POR QUE não vieram ao meu aniversário.


Vocês não comeram tudo? POR QUÊ?

Andar 5 quilômetros, POR QUÊ? Vamos de carro.


NOTA:

Percebe-se a existência do POR QUE acentuado e do inacentuado. Então:

O POR QUÊ acentuado é usado somente no final da frase interrogativa, conforme exemplos acima. Nas demais posições, é usado o inacentuado.


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ADVÉRBIOS INTERROGATIVOS EM LATIM


Os principais advérbios interrogativos em latim são os seguintes:

QUOMODO? / QUO MODO?  = COMO? DE QUE MODO?

CUR? = POR QUE?

QUARE? = POR QUE? POR QUE RAZÃO?

QUAMOBREM? / QUAM OB REM? = POR QUE RAZÃO?


Muitos outros, entretanto, podem iniciar uma interrogação. Vejamos:


QUANDO?: quando, em que época, em que tempo?

QUANDO profectus est pater? = QUANDO partiu teu pai?

Fac ut sciam QUANDO pater redierit = faz-me saber QUANDO teu pai voltou.


Nota: 'Quando' interrogativo traduz-se em latim sempre por 'quando', nunca por cum ou por ubi. Cum traduz-se quando em se tratando de conjunção causal equivalendo a 'visto que, pois'. Ubi traduz-se quando em se tratando de conjunção temporal equivalendo a 'depois que, logo'.



UBI / UBINAM?:onde, em que lugar, em qual lugar?

UBI sum? = ONDE estou?

Delos UBI nunc est? = EM QUE LUGAR está Delos?

UBINAM gentium sumus? = EM QUE parte do mundo estamos?


Note que em UBINAM, o -NAM é uma partícula enclítica que se junta a pronomes ou partículas interrogativas ou indefinidas para lhes reforçar. No caso presente, temos UBI + NAM.

QUO?: aonde, para qual lugar, ao lugar que?

QUO vadis? = AONDE vais? PARA ONDE vais?

QUO fugis? = PARA ONDE foges?



UNDE?: donde, de que lugar?

UNDE gentium es? = DONDE sois vós?

UNDE iste amor? = DONDE vem este amor?



QUOMODO? / QUEMADMODUM?: como, de que maneira?

QUOMODO mortem filii tulisti? = COMO suportaste a morte de teu filho?



QUI?: como, de que modo?

Este advérbio somente é usado com os verbos possum e fio.

QUI possum? = COMO o posso?

Deus falli QUI potuit? = COMO pode um deus ser enganado?

QUI fit ut nemo vivat sua sorte contentus? = COMO é que ninguém vive contente com a sua sorte?


CUR?: por que, por que razão?

CUR me excrucio? = POR QUE me aflijo?

CUR Deus homo? = POR QUE Deus se fez homem?

Scire cupio quae causa sit CUR... = desejo saber POR QUE RAZÃO...


QUARE?: por que, por que razão?

Fuit aperte mihi, nescio QUARE, non amicus = fingiu, não seu POR QUE RAZÃO, estar de mal comigo.


NOTAS:

1 - COMO, advérbio interrogativo de modo, em latim pode ter as seguintes formas:

a) QUOMODO ou QUO MODO;

b) QUEMADMODUM ou QUEM AD MODUM;

c) QUI, forma ablativa do tema do interrogativo quis, de uso restrito.



2 - POR QUE, advérbio interrogativo de motivo, em latim pode ter as seguintes formas:

a) CUR?, vindo do antigo quor, qur, ou seja, é um advérbio em -r de tema *quo-, como pontifica Ernout-Meillet no Dictionnaire Etymologique de la Langue Latine Histoire des Mots. Bem raro é o empregos deste advérbio nas interrogativas indiretas.

b) QUARE?, formado por qua, ablativo singular de qui, + re, ablativo singular de res = coisa: Qua re = por que coisa, pela qual coisa, literalmente. Seu emprego é raro nas interrogativas diretas.

c) QUAMOBREM? ou QUAM OB REM? - De emprego raro nas interrogativas diretas.


3 - OUTROS ADVÉRBIOS INTERROGATIVOS SÃO OS SEGUINTES:

a) QUAMDIU? / QUAM DIU? = por quanto tempo? - QUAMDIU voluit? por quanto tempo quis?

b) QUAMDUDUM? / QUAM DUDUM? = há quanto tempo

c) QUOUSQUE? / QUO USQUE? = até quando? - QUO te spectabimus USQUE? até quando iremos te esperar?

d) QUIN? = por que não? como não? - QUIN taces? por que não te calas? - Esta locução adverbial interrogativa -  por que não - pode também em latim ser CUR NON?

Paulo Barbosa

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O APOSTO OU MODIFICADOR APOSITIVO DO NOME

APOSTO ou MODIFICADOR APOSITIVO DO NOME é um nome ou locução nominal que se junta a outro nome para melhor o caracterizar.

Deve-se notar que as gramáticas tradicionais não admitem que o aposto seja realizado por um adjetivo, entretanto, estudiosos mais recentes evidenciam a existência de aposto adjetival, como podemos recolher em Maria Helena Mira Mateus et al., na Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pp. 368-369.

NATUREZA DO APOSTO

Um modificador apositivo do nome pode ser:

1. UM GRUPO NOMINAL: Pero Vaz de Caminha, o Escrivão, elaborou o primeiro documento sobre o Brasil.

2. UM GRUPO ADJETIVAL: Henrique, inteligente e trabalhador, tem tido sorte na vida.

3. UM GRUPO PREPOSICIONAL: A dieta, de valor incontestável, tem o apoio da classe médica.

4. UMA ORAÇÃO SUBORDINADA ADJETIVA RELATIVA EXPLICATIVA: Henrique, que é inteligente e trabalhador, tem tido sorte na vida.

VALORES FUNDAMENTAIS DO APOSTO

O aposto possui dois valores centrais, valores estes expostos por Evanildo Bechara em sua Moderna Gramática Portuguesa, e que são: Especificativo e Explicativo.

1. VALOR ESPECIFICATIVO é aquele quando um nome, muitas vezes nome próprio, complementa informação de outro ocorrendo em adjacência, sem qualquer tipo de separação diacrítica:


O rio AMAZONAS.

O palácio GUANABARA.


2. VALOR EXPLICATIVO é aquele que contém informação acrescentada ao nome ocorrendo sempre com separação diacrítica, ou seja, entre vírgulas. Este aposto veicula valores secundários dos quais se pode destacar os seguintes:


1º] VALOR ENUMERATIVO: quando a explicação consiste em um desdobramento enumerativo seguindo palavras como tudo, ninguém, nada, etc.:


TUDO - alegrias, preocupações, tristezas - ficava estampado em seu rosto.


2º] VALOR DISTRIBUTIVO: quando a explicação consiste em dividir um todo:


MACHADO DE ASSIS e GONÇALVES DIAS são meus escritores preferidos, aquele na prosa, este na poesia.


3º] VALOR CIRCUNSTANCIAL: quando a explicação exprime circunstância, ou seja, condição, acidente ou particularidade que acompanha um acontecimento, podendo, pois, expressar, por exemplo:


a) Valor comparativo


A ti, professor, compete ensinar

A ti, COMO professor, compete ensinar.


b) Valor temporal:


Collor de Mello, presidente da república, reduziu os impostos de importação =

Collor de Mello, QUANDO presidente da república, reduziu os impostos de importação.


c) Valor causal:


Mário, amigo, tirou Pedro da dificuldade =

Mário, PORQUE amigo, tirou Pedro da dificuldade.


Note que os apostos de valores circunstanciais podem ou não ser introduzidos por palavras indutoras de sentido, tais o como, o quando, o porque, etc.


RECAPITULANDO E ADITANDO

1 - Podemos definir de maneira mais abrangente o aposto como sendo um substantivo ou expressão equivalente que modifica um núcleo nominal ou pronominal ou palavra de natureza substantiva como 'ontem', 'hoje', 'amanhã'.

2 - Evanildo Bechara faz a seguinte distinção entre o aposto explicativo e especificativo: "Há diferença de conteúdo semântico entre uma construção do tipo 'O rio Amazonas' e 'Pedro II, imperador do Brasil'; na primeira, o substantivo que funciona como aposto se aplica diretamente ao nome núcleo e restringe seu conteúdo semântico de valor genérico, tal como faz um adjetivo, enquanto que na segunda a sua missão é tão-somente explicar o conceito do termo fundamental, razão pela qual é em geral marcada por pausa, indicada por vírgula ou por sinal equivalente (travessão e parêntese). Daí a aposição do primeiro tipo se chamar 'específica' ou 'especificativa', e a do segundo, 'explicativa'. (op. cit. 456-457).


O APOSTO NO LATIM

1) Em latim o aposto concorda em caso com o substantivo ou equivalente ao qual se junta para caracterizar:

Caecilia,   poetae   filia,   in schola est
Nominativo                                     Nominativo                                     

Cecília, filha do poeta, está na escola



Jesus, hominum servator, Dei est filius
                                                Nominativo                                Nominativo                                     


Jesus, salvador dos homens, é filho de Deus




Jesum,   hominum servatorem,   adoro
                                                     Acusativo                                                    Acusativo


Adoro Jesus, salvador dos homens

2) A concordância casual não é seguida obrigatoriamente pela concordância genérica e numérica:

Et Tulliola, deliciae nostrae
                                                                               Nom. sing.                    Nom. plural

E Tuliazinha, nossos agrados (Cícero, Ad Att.,I,8,3)




Deliciae meae   Dicearchus   contra hanc immortalilatem disseruit
             Nom. plural feminino            Nom. sing. masculino


Dicearco, minha delícia, falou contra esta imortalidade (Cícero, tu 1,21.77)



Nota: A expressão 'deliciae meae' ou 'deliciolae nostrae' em Cícero, usada como aposto, pode ser também traduzida como 'meu bem, meu amor, meu encanto'.


3) O aposto conserva o caso do substantivo por ele modificado mesmo quando está unido ao mesmo por meio da locução explicativa id est / hoc est (isto é) ou das conjunções ceu, quasi, ut, tamquam, velut (como) e de dico, inquam (digo):

Assentior Cnaeo Pompeio, id est Tito Pomponio

Eu concordo com Cneu Pompeu, isto é, com Tito Pompônio


Omni et gratia et opibus Caesaris sic fruor, ut meis

Valho-me de toda influência e de todos os recursos de César, como se fossem meus.


Catilina facinorum circum se, tamquam stipatorum, catervas habebat

Catilina tinha ao redor de si bandos de criminosos à maneira de satélites.


Hae perturbationes, aegritudinem dico et metum

Estas paixões, isto é / digo, a tristeza e o medo


4) São apostos os substantivos cidade, ilha, província, cadeia de montes, quando estão unidos a um nome próprio mediante a preposição de:


Os troianos fundaram a cidade de Roma

Urbem Romam condidere Troiani



A província da Gália

Gallia provincia



A ilha de Delos

Insula Delos



A cadeia do Jura

Mons Iura

Nota: Para não se confundir esses apostos com o adjunto restritivo - que vai no caso genitivo - deve-se analisar a possibilidade de substituir a preposição de pela circunlocução 'que se chama'. Caso seja possível, estamos diante de aposto e não de adjunto adnominal restritivo. 

Os troianos fundaram a cidade de Roma =

Os troianos fundaram a cidade QUE SE CHAMA Roma.


A província da Gália =

A província QUE SE CHAMA Gália.

Já nos seguintes exemplos:

Os reis de Roma

Os homens da Gália

não é possível a substituição da preposição de pela circunlocução 'que se chama', logo, nestes casos, as palavras 'Roma' e 'Gália' não são apostos, mas adjuntos adnominais restritivos e vão para o caso genitivo.

Paulo Barbosa

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

'QUEM', PRONOME INDEFINIDO USADO EM ORAÇÕES RELATIVAS LIVRES?

Autores há, como Said Ali, Evanildo Bechara, Mattoso Câmara Jr., Adriano da Gama Kury, Sousa da Silveira, Cláudio Cezar Henriques, Antenor Nascentes, Walmírio Macedo, Ulisses Infante e outros, que afirmam ser 'QUEM' em certas orações um pronome indefinido e não relativo com a possibilidade de substituição pela locução pronominal indefinida 'QUEM QUER QUE'. Desta sorte, orações do tipo:

QUEM espera sempre alcança,

Tenho medo de QUEM me interrompe,

QUEM vai ao mar perde o lugar,

poderiam ser desdobradas assim:

QUEM QUER QUE espera sempre alcança,

Tenho medo de QUEM QUER QUE me interrompe.

QUEM QUER QUE vai ao mar perde o lugar.

Said Ali na sua Gramática Histórica (pp. 109-110) estabelece clara distinção entre 'QUEM' relativo indefinido, sempre destituído de antecedente na oração e 'QUEM' relativo propriamente dito, com antecedente.  A mesma doutrina segue Bechara, mais recentemente, em sua Moderna Gramática Portuguesa (2002, p. 172).

O PRONOME 'QUEM' POSSUI COMPONENTE RELATIVO

Constata-se, com certeza, um certo hibridismo no referido pronome, porém, não se consegue facilmente descolá-lo de sua componente relativa, haja vista, como já vimos em outro tópico, ele acaba sempre por ter um antecedente, seja explícito ou implícito. Senão vejamos os mesmos enunciados:

QUEM espera sempre alcança,

Tenho medo de QUEM me interrompe,

QUEM vai ao mar perde o lugar.

Não é possível que se substitua o 'QUEM' por 'A PESSOA QUE'?:

A PESSOA QUE espera sempre alcança,

Tenho medo dA PESSOA QUE me interrompe,

A PESSOA QUE vai ao mar perde o lugar.

Ou que se substitua 'QUEM QUER QUE' por 'ALGUÉM QUE', 'AQUELE QUE', 'A PESSOA QUE'?

QUEM QUER QUE espera sempre alcança,

AQUELE QUE espera sempre alcança,


Tenho medo de QUEM QUER QUE me interrompe.

Tenho medo dA PESSOA QUE me interrompe.


QUEM QUER QUE vai ao mar perde o lugar.

ALGUÉM QUE vai ao mar perde o lugar.

Com tais possibilidades não há sentido algum em negar a existência de antecedente para 'QUEM', ainda que o mesmo tenha sido 'apagado', segundo a teoria de Bechara, assim como não é descabido afirmar que 'QUEM QUER', 'ALGUÉM', 'A PESSOA', funcionam como antecedente do pronome relativo 'que'.

NÃO EXISTE ORAÇÃO RELATIVA SEM ANTECEDENTE

Os renomados gramáticos que defendem a equivalência de 'QUEM' com a locução pronominal indefinida ''QUEM QUER QUE' insistem em expor a doutrina de que, em tais circunstâncias, 'QUEM' figura em orações relativas sem antecedente ou orações relativas livres, como já vimos anteriormente. Ora, mas já expusemos também em outro lugar que em todas as denominadas orações relativas sem antecedente existe sim um antecedente nominal em sua estrutura, embora não realizado lexicalmente, de maneira que, nas orações


QUEM tem amor tem calma,

QUEM vai ao mar perde o lugar,

podemos fazer a substituição do pronome relativo 'QUEM' pela locução pronominal indefinida por nela existir um pronome relativo - o 'que' - depois de um antecedente - quem quer, alguém, a pessoa:

QUEM QUER QUE tem amor tem calma,

QUEM QUER QUE vai ao mar perde o lugar,

onde se impõe notar que o elemento 'que' da locução pronominal é, na verdade, um pronome relativo com antecedente 'quem quer' que pode facilmente ser substituído por 'A PESSOA'

A PESSOA QUE tem amor tem calma,

AS PESSOAS QUE vão ao mar perde o lugar.

RECAPITULANDO

1. Há sim, como já notamos, certo hibridismo nas possibilidades de classificação do pronome 'QUEM', porém, é muito difícil, diria mesmo impossível descolá-lo de sua componente relativa, pois sempre terá um antecedente expresso ou não.

2. 'QUEM' é um pronome que possui usos relativos e interrogativos. Quanto aos usos interrogativos exporemos alguns pontos no final. Como relativo implica sempre um antecedente que se pode expressar de maneira explícita ou implícita, ou seja, sempre um antecedente expresso ou semanticamente incorporado. Este é o motivo do relativo 'QUEM' nunca poder figurar na origem de orações substantivas.

3. Não pode haver orações relativas substantivas:

João procura QUEM o possa ajudar,

aparentemente se poderia fazer a seguinte análise: 

Sujeito: João

Predicado: procura QUEM o possa ajudar

Complemento direto: QUEM o possa ajudar 

Onde 'QUEM o possa ajudar' seria oração classificada como subordinada substantiva objetiva direta / oração completiva / oração integrante.

Tal possibilidade não se dá, é agramatical, como se denomina, pois tal oração não é completiva ou substantiva, mas relativa, onde o pronome 'QUEM' terá de ser descrito no desempenho de sua dupla função, a saber, como complemento direto do verbo procurar e sujeito da perífrase possa ajudar.

A análise lógica, espontânea, deve ser, pois, a seguinte:

Oração composta com uma oração subordinada relativa / adjetiva restritiva: 'QUEM o possa ajudar'.

Sujeito: 'que' (antecedente: indefinido contido no pronome 'quem': 'ALGUÉM que', 'UMA PESSOA que').

Predicado: 'o possa ajudar'.

Complemento direto: 'o'.

4. Quando ao 'QUEM' faltar um antecedente expresso, com toda certeza haverá a presença cumulada dum antecedente semântico, de maneira que o indefinido relativo 'QUEM' desempenha duas funções diferenciadas, uma correspondendo ao constituinte nominal e outra ao relativo:


QUEM ama educa.

AQUELE QUE ama educa.


Recebi QUEM tu recomendaste.

Recebi AQUELE      QUE tu recomendaste.


5. 'QUEM' quando relativo não preposicionado sempre corresponderá a 'AQUELE QUE', 'A PESSOA QUE', 'ALGUÉM QUE', conforme ficou bem claro nas análises feitas acima.

6. Não existe oração relativa sem antecedente, pois como já visto, o pronome relativo 'QUEM' não suporta de maneira alguma qualquer apagamento do antecedente, inferindo-se daí que a doutrina exposta por Evanildo Bechara não possui validade.

7. 'QUEM', pronome relativo, deve ser decomposto em seus dois pronomes equivalentes, como já sabido, e essa divisão por si mesma indica que o verbo deve ficar no singular qualquer que seja a pessoa e o número do sujeito da oração principal:

Somos nós QUEM paga = somos nós AQUELE QUE paga

Sou eu QUEM vai = sou eu AQUELE QUE vai

És tu QUEM lucra = és tu AQUELE QUE lucra

'QUEM' INTERROGATIVO

8. 'QUEM' pode também equivaler a 'QUE PESSOAS'  e neste caso o verbo, sempre o verbo ser, vai para o plural:

QUEM serão os pais destas crianças? = QUE PESSOAS serão os pais destas crianças?

QUEM são eles? = QUE PESSOAS são eles?

Não posso afirmar QUEM são = não posso afirmas QUE PESSOAS são.

9. Quando o verbo não for o ser, o singular é o que aparece na interrogativa tanto direta quanto indireta:

QUEM disse isso?

QUEM estudou a lição?

Perguntei-lhes QUEM havia faltado a aula anterior.

Não posso dizer QUEM saiu mais cedo.

Faça-me saber QUEM votou contra e QUEM a favor.


Paulo Barbosa

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

"ORAÇÕES RELATIVAS SEM ANTECEDENTE" COM PRONOME 'QUEM'

Numa abordagem moderna do pronome relativo 'quem', diferentemente do que a gramática tradicional prescrevia, nos deparamos hoje com o que se denomina 'orações relativas sem antecedente' ou 'orações relativas livres', onde alguns gramáticos renomados não aceitam a existência no citado pronome da presença de dois pronomes constitutivos, como já estudado em tópico anterior (aqui: http://topicosdelatinidade.blogspot.com.br/2018/02/oracao-adjetiva-introduzida-por-quem.html). 

Outros afirmam, enfim, que o relativo 'quem', em certas orações, é pronome indefinido equivalendo a 'quem quer que', não sendo esse, porém, o seu sentido mais frequente. Quanto a essa questão abordaremos num próximo tópico.

"ORAÇÕES RELATIVAS SEM ANTECEDENTE EXPRESSO" OU "RELATIVAS LIVRES" COM 'QUEM' são orações, segundo gramáticos modernos e renomados, em que o tal relativo é empregado em sentido absoluto, não anafórico, não existindo, portanto, em sua estrutura um antecedente nominal realizado. Celso Cunha e Lindley Cintra, por exemplo, falam de pronomes relativos sem antecedente ou relativos indefinidos, e Evanildo Bechara de apagamento do antecedente. Vamos aos exemplos:

QUEM ama educa.

QUEM vai ao mar perde o lugar.

QUEM conhece João sabe que é bom rapaz.

QUEM tem amor tem calma.

QUEM espera sempre alcança.

QUEM vi ontem no restaurante passou por ti agora.

Analisando detidamente as orações acima, tais relativas livres não suportam em nenhum dos casos o denominado apagamento do antecedente, como ensina Bechara et alii., o que confirma a tradicional doutrina gramatical da separação do pronome em seus dois pronomes equivalentes. O que temos acima são orações em que o pronome 'quem' é subjetivo podendo ser desmembrado deste modo:

AQUELE QUE ama educa.

AQUELE QUE vai ao mar perde o lugar.

AQUELE QUE conhece João sabe que é bom rapaz.

AQUELE QUE tem amor tem calma.

AQUELE QUE espera sempre alcança.

AQUELE QUE vi ontem no restaurante passou por ti agora.

Outros exemplos:

Recebi QUEM tu recomendaste.

Mário procura QUEM o possa ajudar nos estudos.

O mestre viu QUEM fez o trabalho.

Foi ela QUEM fez o bolo.

O patrão elogiou QUEM cumpriu a meta.

Há sempre QUEM o ouça.

Nestes exemplos também em que falta um antecedente expresso é possível perceber a presença cumulada dum antecedente semântico de maneira que o 'quem' exerce em todas as orações supra dupla função, de objeto direto ou predicativo do verbo da principal e de sujeito do verbo da subordinada adjetiva:

Recebi AQUELE      QUE tu recomendaste.

Mário procura AQUELE       QUE o possa ajudar nos estudos.

O mestre viu AQUELE      QUE fez o trabalho.

Foi ela AQUELA      QUE fez o bolo.

O patrão elogiou AQUELE      QUE cumpriu a meta.

Há sempre AQUELE      QUE o ouça.


ESCLARECIMENTOS: O pronome 'quem' só pode ser anafórico, ou seja, somente pode ter antecedente, se for precedido de preposição, como, por exemplo: 'Esta é a pessoa de quem te falei'. Sendo precedido de preposição jamais poderá figurar como sujeito de uma relativa com antecedente implícito. Quando não precedido de preposição, 'quem' corresponde sempre a 'aquele que', 'a pessoa que', 'alguém que', como visto nos exemplos acima. O fato de figurar absoluto, entretanto, em início de oração ou após verbo, não significa inexistência de antecedente, pois este existe de modo implícito, semântico, não havendo a possibilidade de qualquer apagamento do termo antecedente. Que fique bem claro isso.


"RELATIVAS LIVRES" EM LATIM


QUI gladio ferit gladio perit = QUEM com a espada fere, com a espada perece.

QUI honorat se ipsum honorat = QUEM honra os outros honra a si mesmo.

QUI fuit rana nunc est rex QUEM foi rã agora é rei.

QUI non proficit deficit = QUEM não avança fica para trás.

QUI timet Dominum nihil trepitabit = QUEM teme ao Senhor de nada terá medo.

QUI tacet non utique fatetur, sed tamen verum est eum non negare = QUEM cala realmente não confessa, mas também é verdade que não nega.

Nestas orações supra o relativo 'qui' latino possui um antecedente implícito do mesmo modo que o 'quem' português, a saber, o pronome 'ille / illa = aquele aquela". Outros pronomes que podem também ser correlativos do 'qui' são: 'is, hic, iste', sendo que, muito frequentemente, tais antecedentes se elidem quando são do mesmo caso de 'qui' ou quando são facilmente subentendidos.


Diu vixit IS, QUI bene vixit = viveu longamente AQUELE QUE (= QUEM) viveu bem.

Ou, por ser o antecedente 'is' do mesmo caso do pronome relativo 'qui', pode ser omitido:

Diu vixit, QUI bene vixit.

Paulo Barbosa

10 EXEMPLOS DE ORAÇÕES ADJETIVAS INTRODUZIDAS POR 'QUEM' DA BÍBLIA COTEJADAS COM A VULGATA

O pronome relativo 'quem' reporta-se sempre a um termo antecedente explícito ou implícito e este deve invariavelmente referir a uma pessoa ou coisa personalizada. É de notar ainda que o relativo 'quem' vem precedido de preposição mesmo quando for objeto direto (objeto direto preposicionado), havendo exceção apenas quando exercer a função de sujeito.

Exemplos extraídos da Bíblia Sagrada (João Ferreira de Almeia, Revista e Atualizada):


"Disse-lhe ainda o anjo do Senhor: Concebeste e darás à luz a um filho A QUEM chamarás Ismael, porque o Senhor te acudiu na tua aflição" (Gênesis 16,11).

["Ac deiceps ecce ait concepisti et paries filium vocabisque nomen eius Ismael eo quod audierit Dominus adflictionem tuam" (Gênesis 16,11)].

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"QUEM tiver coito com animal será morto" (Êxodo 22,19)

["Qui cojerit cum jumento morte moriatur" (Êxodo 22,19)].

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"As vestes do leproso, EM QUEM está a praga, serão ragadas, e os seus cabelos serão desgrenhados; cobrirá o bigode e clamará: Imundo! Imundo!" (Levítico 13,45).

["Habebit vestimenta dissuta caput nudum os veste contectum contaminatum ac sordidum se clamabit" (Levítico 13, 45)].

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"Disse o Senhor a Moisés: Toma Josué, filho de Num, homem EM QUEM há o Espírito, e impõe-lhe as mãos" (Números 27, 18).

["Dixitque Dominus ad eum tolle Josue filium Nun viro in quo est spiritus et pone manum tuam super eum" (Números 27,18)].

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"Nunca mais se levantou em Israel algum como Moisés, COM QUEM o Senhor houvesse tratado face a face" (Deuteronômio 34,10).

["Et non surrexit propheta ultra in Israel sicut Moses quem nosset Dominus facie ad faciem" (Deuteronômio 34,10)].

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"QUEM tem ouvidos para ouvir ouça" (Mateus 13,9).

["Qui habet aures audiendi audiat" (Mateus 13,9)].

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"Ora, o traidor tinha-lhes dado esta senha: Aquele A QUEM eu beijar, é esse; prendei-o e levai-o com segurança" (Marcos 14,44).

["Dederat autem traditor eius signum eis dicens quemcumque osculatus fuero ipse est tenete eum et ducite" (Marcos 14,44).

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"O homem DE QUEM tenham saído os demônios rogou-lhe que o deixasse estar com ele; Jesus, porém, o despediu..." (Lucas 8,38).

["Et rogabat illum vir a quo daemonia exierant ut cum eo esset dimisit autem eum Jesus..." (Lucas 8,38)].

* * *


"E QUEM me vê a mim vê aquele que me enviou" (João 12,45).

["Et qui videt me videt eum qui misit me" (João 12, 45)].

    * * *


"O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, A QUEM vós matastes, pendurando-o num madeiro" (Atos 5,30).

["Deus patruum nostrorum suscitavit Jesum quem vos interemistis suspendentes in ligno" (Atos 5,30)].

Paulo Barbosa

ORAÇÃO ADJETIVA INTRODUZIDA POR 'QUEM'

Pronome relativo é a palavra que usada em uma oração subordinada adjetiva se refere a termo de outra oração. Na língua portuguesa são os seguintes:

QUE

O QUAL

QUEM

CUJO

PRONOME RELATIVO 'QUEM'


O relativo 'quem', introdutor de oração subordinada adjetiva, implica sempre um antecedente que pode se apresentar expresso ou incorporado semanticamente.Nos casos em que falta o antecedente expresso, a presença cumulada do antecedente semântico é de tal maneira relevante que, sintaticamente, o 'quem' exerce duas funções diferenciadas, correspondendo uma ao constituinte nominal e outra ao relativo.

Exemplos com antecedente expresso:

Este é o professor com quem falei ontem

Nada há como o amor da mulher de quem se gosta

Exemplos sem antecedente expresso:

Eu amo quem me ama.

Neste caso, para efeito de análise é imprescindível a separação do 'quem' em seus dois pronomes equivalentes: aquele que, o que ou a pessoa que.


Eu amo aquele          que me ama
                                                                          (obj. direto de amo)         (sujeito de ama)


Percebemos a dupla função do relativo 'quem': em virtude do antecedente que encerra é objeto direto de amo e, simultaneamente, em virtude do pronome relativo 'que' é sujeito de ama.

USO DE 'QUEM'

'Quem' somente deverá ser usado antecedido de preposição (a, com, de, por, etc), inclusive quando funcionar como objeto direto (que sempre será com a preposição a). Neste caso, é denominado pronome anafórico, isto é, com antecedente. 

'Quem', entretanto, quando exercer a função subjetiva, ou seja, quando for sujeito da oração relativa, não será precedido de preposição, onde terá o mesmo valor de o que, a que, os que, as que, aquele que, aquela que, aqueles que, aquelas que, a pessoa que, as pessoas que, etc.

'Quem' só se emprega com referência a pessoas ou a alguma coisa personificada.



'Quem' precedido de preposições variadas:

Este é o senhor com quem ela trabalha.

Imagino a pessoa de quem falas.

Devemos amar Aquele por quem tudo foi criado.

'Quem' objeto direto do verbo da subordinada precedido com a preposição 'a':

A moça a quem conheci ontem está no hotel da cidade.

Este é o Xeique, meu cachorro, a quem considero fiel escudeiro.

'Quem' em função subjetiva sem preposição precedida:

Fui eu quem os apresentou.

Foi João quem desenvolveu esse projeto.

Foi ele quem fez o trabalho.

O capitão e os marinheiros foram quem quis.

Deve-se notar neste caso do 'quem' subjetivo a concordância verbal onde o é de regra que a oração construída leva o verbo para a 3ª pessoa do singular.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: 'QUEM' quando pronome relativo deve sempre para efeito de análise sintática ser separado em seus pronomes equivalentes 'o que', 'aquele que', 'a pessoa que', e esta decomposição já por si mesma indica que o verbo da subordinada deve permanecer no singular, qualquer que seja a pessoa e o número do sujeito da oração principal. Vejamos mais exemplos:

Fui eu quem abriu esta polêmica = fui eu a pessoa que abriu esta polêmica.

És tu quem lucra = és tu a pessoa que lucra.

Somos nós quem fala = somos nós aquele que fala.

Quem paga sou eu = aquele que paga sou eu.

És tu quem favorece a minha situação = és tu aquele que favorece a minha situação.

Fôssemos nós quem fizesse isso = fôssemos nós aquele que fizesse isso.

Eu e Vossa Excelência somos quem vende = eu e vossa excelência somos aquele que vende.

Sou eu quem vai = sou eu aquele que vai.

És tu quem fala primeiro = és tu aquele que fala primeiro.

Paulo Barbosa