LUSITÂNIA foi o nome que desde a Antiguidade recebeu Portugal. Camões, nos
Lusíadas (III,21) faz esta palavra derivar de
Luso ou
Lisa:
"Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros"
O poeta, entretanto, se mostra indeciso se foram filhos ou companheiros de Baco. Epifânio Dias, a maior autoridade em Camões do século XX, ao comentar estes versos, diz-nos que sua fonte foi Plínio que na Naturalis Historia (III,8), num trecho obscuro, assim exarou:
"Lusum enim Liberi patris ac Lysam cum eo bacchantem nomen dedisse Lusitaniae"
"Diz-nos Luso, filho de Baco, e Lisa, bacante, ter dado juntamente com ele o nome à Lusitânia"
No Índice da obra de Plínio aparecem ambos, Luso e Lisa, como Comes Bacchi (companheiros de Baco), donde a prudência de Camões se 'foram filhos ou campanheiros'. Observa também Epifânio que a melhor derivação seria de Luso, pois de Lisa viria a ser Lisitânia.
Em VIII,2, porém, Camões é mais decisivo ao declarar que:
"Este que vês é Luso, donde a fama
O nosso reino Lusitânia chama.
Foi filho e companheiro do Tebano
Que tão diversas partes conquistou"
O Tebano é o mesmo Baco, pois, como narra a mitologia, nasceu em Tebas. E aqui vê-se que o poeta não usa mais a alternativa 'filho ou companheiro', mas 'filho e companheiro', nem fala mais em Lisa.
O que deve ter havido aqui, no intervalo entre um Canto e outro, segundo Epifânio Dias, é que Camões provavelmente tomara contato com a obra do humanista português André de Resende, o Vicentius, que transcrevera o citado texto de Plínio:
"Quorum verborum hic est sensus, Lusum Liberi patris filium non
autem socium, ut quidam contra loquendi usum interpretantur, una
cum Lysa, nimirum Liberi socio, nomen Lusitaniae nostrae dedisse"
"Luso, filho de Baco, e não companheiro como alguns interpretam erradamente,
juntamente com Lisa, realmente companheiro de Baco,
terem dado o nome à Lusitânia"
Esta opção camoniana de 'filho e companheiro' irá ser reiterada na estrofe 4 do mesmo Canto:
"O ramo que lhe vês pera divisa,
O verde tirso foi de Baco usado,
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amado"
O tirso era uma vara ou bastão todo forrado de eras e de folhas de uvas, insígnia do deus Baco.
A questão que se coloca agora é a seguinte: como explicar que a terra lusitana perpetue o nome de Baco por meio de um seu filho, sendo Baco um deus que era perseguidor dos lusitanos? A divindade favorável aos lusitanos, como se sabe pela mitologia, era Vênus, a deusa do puro amor. Baco, porém, representava o amor obsceno, imoral, deturpado, o amor de luxúria, e por isso mesmo, devia ser considerado o inimigo natural de Vênus. Mesmo em Roma esse deus com seu culto não era bem visto e as bacanais, orgias em seu louvor, pelo caráter tipicamente imoral, foram proibidas por um decreto do Senado Romano.
Foi devido a isso que muitos estudiosos de Etimologia negaram a ligação entre Lusitânia e Luso, como, por exemplo, Leite de Vasconcelos, linguista e filólogo português do século XX, que em sua Religiões da Lusitânia assevera: "Entre as diversas hipóteses, a que parece mais aceitável é a que busca a etimologia de Lusitani em Lusones, nome de uma tribo celtibérica, como já lembrava Herculano, segundo Romey".
obra
Paulo Barbosa