segunda-feira, 20 de outubro de 2014

SERIA 'LUSITÂNIA' PROVENIENTE DE 'LUSO'?

LUSITÂNIA foi o nome que desde a Antiguidade recebeu Portugal.  Camões, nos Lusíadas (III,21) faz esta palavra derivar de Luso ou Lisa:

"Esta foi Lusitânia, derivada

De Luso ou Lisa, que de Baco antigo

Filhos foram, parece, ou companheiros"

O poeta, entretanto, se mostra indeciso se foram filhos ou companheiros de Baco. Epifânio Dias, a maior autoridade em Camões do século XX, ao comentar estes versos, diz-nos que sua fonte foi Plínio que na Naturalis Historia (III,8), num trecho obscuro, assim exarou:

"Lusum enim Liberi patris ac Lysam cum eo bacchantem nomen dedisse Lusitaniae"

"Diz-nos Luso, filho de Baco, e Lisa, bacante, ter dado juntamente com ele o nome à Lusitânia"

No Índice da obra de Plínio aparecem ambos, Luso e Lisa, como Comes Bacchi (companheiros de Baco), donde a prudência de Camões se 'foram filhos ou campanheiros'. Observa também Epifânio que a melhor derivação seria de Luso, pois de Lisa viria a ser Lisitânia.

Em VIII,2, porém, Camões é mais decisivo ao declarar que:

"Este que vês é Luso, donde a fama

O nosso reino Lusitânia chama.

Foi filho e companheiro do Tebano

Que tão diversas partes conquistou"

O Tebano é o mesmo Baco, pois, como narra a mitologia, nasceu em Tebas. E aqui vê-se que o poeta não usa mais a alternativa 'filho ou companheiro', mas 'filho e companheiro', nem fala mais em Lisa.

O que deve ter havido aqui, no intervalo entre um Canto e outro, segundo Epifânio Dias, é que Camões provavelmente tomara contato com a obra do humanista português André de Resende, o Vicentius, que transcrevera o citado texto de Plínio:

"Quorum verborum hic est sensus, Lusum Liberi patris filium non

autem socium, ut quidam contra loquendi usum interpretantur, una

cum Lysa, nimirum Liberi socio, nomen Lusitaniae nostrae dedisse"


"Luso, filho de Baco, e não companheiro como alguns interpretam erradamente,

juntamente com Lisa, realmente companheiro de Baco,

terem dado o nome à Lusitânia"

Esta opção camoniana de 'filho e companheiro' irá ser reiterada na estrofe 4 do mesmo Canto:


"O ramo que lhe vês pera divisa,

O verde tirso foi de Baco usado,

O qual à nossa idade amostra e avisa

Que foi seu companheiro e filho amado"


O tirso era uma vara ou bastão todo forrado de eras e de folhas de uvas, insígnia do deus Baco.

A questão que se coloca agora é a seguinte: como explicar que a terra lusitana perpetue o nome de Baco por meio de um seu filho, sendo Baco um deus que era perseguidor dos lusitanos? A divindade favorável aos lusitanos, como se sabe pela mitologia, era Vênus, a deusa do puro amor. Baco, porém, representava o amor obsceno, imoral, deturpado, o amor de luxúria, e por isso mesmo, devia ser considerado o inimigo natural de Vênus. Mesmo em Roma esse deus com seu culto não era bem visto e as bacanais, orgias em seu louvor, pelo caráter tipicamente imoral, foram proibidas por um decreto do Senado Romano.

Foi devido a isso que muitos estudiosos de Etimologia negaram a ligação entre Lusitânia e Luso, como, por exemplo, Leite de Vasconcelos, linguista e filólogo português do século XX, que em sua Religiões da Lusitânia assevera: "Entre as diversas hipóteses, a que parece mais aceitável é a que busca a etimologia de Lusitani em Lusones, nome de uma tribo celtibérica, como já lembrava Herculano, segundo Romey".
obra

Paulo Barbosa

3 comentários:

  1. Boa tarde,

    Luso não é um deus romano.Está longe de o ser .Aliás como deve perceber, se os romanos conquistaram este território aos lusitanos, os povos que aqui estavam não podiam venerar um deus romano antes de os romanos aqui chegarem. O que aconteceu foi a chamada "intrepetationes" romana: quando os romanos associavam as divindades dos territórios conquistados aos seus próprios deuses. Assim, quando Plínio se referiu a Luso, e quando os romanos denominaram este povo de lusitanos pois veneravam esse deus, ele estava já a associar esse deus pré-romano à mitologia romana, tornando-o filho de Baco. Na realidade o deus Luso, nada mais era do que Lugh, o conhecido deus celta. Sim os celtas estiveram na Península Ibérica e no actual território português. Aliás teses recentes demonstram mesmo que os celtas que colonizaram as ilhas britânicas vieram daqui.

    Devido a essa adaptação romana do deus celta, continuada posteriormente pelos diferentes autores portugueses que tomavam os clássicos como referência sem os contestar, essa ideia errada de Luso como filho de Baco continuou e foi generalizada graças aos "Os Lusíadas" de Camões. Reforço o que disse, e para quem não acredita é só usar a lógica: se os lusitanos estavam cá antes de os romanos chegaram como é que poderiam venerar um deus filho de um deus romano? Por favor transmitam esta informação para que o erro não se perpetue. Portugal sofreu fortes influências latinas mas antes disso era um país celta, é preciso não esquecer. Os celtas não existem só no Norte de França, na Irlanda e em Gales ao contrário do que se prega por aí.

    Catarina de Macedo

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    1. Verdade sim senhor, que os celtas colonizaram Portugal em quase todas as zonas do país. Uma forma de ver em que zonas estiveram é a partir do sufixo / prefixo (conforme os casos) “brig” que em celta significa fortaleza ou castelo. Assim, cetoBRIGA (Setúbal), miroBRIGa (Santiago do cacem) ou lavoBRIGa (Lagos) seriam todas cidadelas de fundação céltica.

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  2. Caríssima Catarina, muito grato pela aula e retificação do que muitos pensam ser o verídico.

    Paulo Barbosa

    7 de junho de 2017.

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