terça-feira, 3 de dezembro de 2019

ASPECTOS MORFOLÓGICOS I: CLASSES DE PALAVRAS

MORFOLOGIA é a segunda parte da Gramática. A primeira é a Fonética, que estuda os sons da voz humana enquanto processo de formação, e a terceira é a Sintaxe, que estuda as palavras combinadas.

A Morfologia estuda:

a) a estrutura interna das palavras;

b) todos os elementos formadores de qualquer natureza que constituem as palavras;

c) todo o constituinte que configura a forma de uma palavra.

Como seu nome indica, morfologia é o estudo (logía) das formas (morfé).

A Morfologia trata das palavras em três níveis:

1. quanto a sua classificação;

2. quanto a sua flexão;

3. quanto a sua estrutura e formação.

CLASSIFICAÇÃO

Em nosso idioma, todas as palavras quanto à ideia que transmitem estão distribuídas em dez grandes classes ou grupos. 

Classes de palavras são, portanto, os dez grupos em que as palavras da língua portuguesa estão distribuídas segundo a ideia que indicam. 

Em latim são nove as classes de palavras por não existir artigo.

Eis as dez classes de palavras da língua portuguesa:

1Substantivo - é a classe variável que designa os nomes de pessoas, divindades, lugares, coisas, seres vivos em geral, qualidades abstratas e seres em geral. Ou, em outros termos, substantivo é toda palavra que especifica substância, coisa que possua existência, podendo ser animada (homem, gato, parreira), inanimada (pedra, mesa, lápis), real (lua, caminhão), imaginária (sereia, saci), concreta (palácio), abstrata (honradez).

Aqui se faz uma subdivisão entre substantivos próprios, aqueles que designam nomes de pessoas, divindades e lugares: Cícero, Júpiter, Brasil, e substantivos comuns, os que designam nomes de coisas, qualidades abstratas e que são aplicáveis indistintamente a todos os seres: templo, mesa, fé, amor.

Substantivo vem do latim substantivus, palavra formada pelo prefixo sub, que significa debaixo, o verbo stare, que significa estar em pé, estar colocado ou parado, o sufixo -nt, que indica agente, mais o sufixo -tivo, do latim -tivus, que indica algo que é relativo ao que precede. É aquilo que permanece parado, estacionado, após ser retirado todo o supérfluo.

2Artigo - é a classe de palavra variável que tem por objetivo individualizar a coisa, ou seja, cabe ao artigo determinar ao substantivo em relação a se é conhecido ou não, se é definido e determinado ou não. Os artigos são: o, a, um, uma

Na verdade, a individualização do substantivo através do artigo pode ser dupla: de maneira precisa e de maneira imprecisa. Por isso, há duas espécies de artigos, os definidos e os indefinidos.

Os definidos são: 

o (para masculino singular) - o animal.

a (para feminino singular) - a cabra.

os (para masculino plural) - os animais.

as (para feminino plural) - as cabras.

Os indefinidos são:

um (para masculino singular) - um animal.

uma (para feminino singular) - uma cabra.

uns (para masculino plural) - uns animais.

umas (para feminino plural) - umas cabras.

Artigo vem do latim articulus, diminutivo de artus, membro, pequena parte de um todo. Deste sentido de 'membro' é que passou à gramática para designar a pequena articulação de um nome, definindo-o ou não.

3. Adjetivo - é a classe variável que define o substantivo expressando-lhe uma qualidade ou atributo. Exemplos:

Casa alta.

Homem sábio.

Pão saboroso.

Livro grosso.

A palavra adjetivo é formada por ad, prefixo latino que significa 'aproximação, para, em direção a',  mais o verbo iacere, 'lançar', mais o sufixo -tivo, do latim -tivus, usado para indicar 'algo que é relativo ao que lhe precede'. Logo, um adjetivo está relacionado a algo que foi lançado próximo de uma coisa e, que por isso, lhe está junto. Ou, gramaticalmente é aquilo que se acrescenta ao substantivo.

4. Numeral - é a classe de palavra variável que encerra ideia de número: um, dois, primeiro, décimo.

Pode ser classificado em:

1. Cardinal - que indica quantidade: um, dois, oitenta, cem, mil.

2. Ordinal - que indica ordem, sequência, posição: primeiro, segundo, oitavo, décimo.

3. Multiplicativo - que indica o número de vezes: triplo, sêxtuplo.

4. Fracionário - que indica frações ou divisões da unidade: meia (laranja), (um) oitavo. (um) terço.

Em latim, além destas quatro classes, há também o distributivo e os advérbios numerais.

Numeral distributivo é aquele que indica como as coisas ou pessoas são agrupadas:

a) singuli = um a um ou um cada um.

b) bini = dois a dois ou dois cada um.

c) terni = três a três ou três cada um.

d) quaterni = quatro a quatro ou quatro cada um.

e) quini = cinco a cinco ou cinco cada um.

Advérbio numeral indica quantas vezes um fato se realizou ou uma multiplicação:

a) semel = uma vez.

b) bis = duas vezes.

c) ter = três vezes.

d) quater = quatro vezes.

e) quinquies = cinco vezes.

5. Pronome - é a classe variável que expressa uma determinação de pessoa, de lugar, de posse ou até mesmo uma certa determinação de maneira vaga, podendo acompanhar ou substituir o nome. 

É classificado em seis tipos:

1. Pessoal: eu, tu, ele/a   //   nós, vós, eles/as.

2. Possessivo: meu, teu, seu   //   nosso, vosso, seu.

3. Demonstrativo: este, esse, aquele.

4. Indefinido: algum, bastante, cada, certo, nenhum, mais, menos, outro, pouco, qualquer, todo.

5. Interrogativo: que, quem, qual, quanto.

6. Relativo: que, quem, o qual, cujo.

Pronome é vocábulo proveniente do latim pronomen, formado pelo prefixo pro, que significa 'diante, à vista de, em lugar de', e nomen, nome.

6. Verbo - é a classe variável que exprime essencialmente um processo, encerrando ideia de ação (falar, andar) ou estado (João é bom).

Obs.: O verbo, por ser matéria extensa, deve ser estudado pelo interessado diretamente em uma boa gramática.

Verbo é palavra que vem do latim verbum, que significa 'palavra'. Por sua vez, verbum é derivado de uma raiz indo-europeia *wer, que deu vrata = ordem, disposição adequada. Em gramática, entretanto, verbo não significa uma palavra qualquer, mas a palavra que expressa ação.

Palavra, por sua vez, vem do latim parabola, e esta tomada do grego παραβολη (parabolé), formada de παρα (ao lado de, à margem de) e βολη (com ideia de 'lançar, estabelecer um paralelo entre, comparar', do verbo βαλλειν = arrojar, lançar com veemência). É a palavra a menor unidade sonora e significativa que, lançada uma ao lado da outra, constitui um enunciado.

7. Advérbio - é a classe de palavra invariável que modifica o sentido principal dos verbos, mas também pode modificar um adjetivo ou um outro advérbio:

O professor falou bastante. (Modifica o verbo 'falou').

Vegetais muito verdes. (Modifica o adjetivo 'verdes').

José veio bastante cedo. (Modifica o advérbio 'cedo').


É classificado em:

1. De lugar: abaixo, acima, atrás, adiante, aqui, ali, cá, lá, dentro, fora, junto, além, aquém.

2. De tempo: agora, ora, antes, depois, ainda, cedo, tarde, logo.

3. De negação: não, nada.

4. De dúvida: porventura, quiçá, talvez, acaso.

5. De intensidade: assaz, algo, bastante, demais, muito, pouco, mais, menos, que.

6. De afirmação: sim, deveras, pois não, pois sim, certo, certamente.

7. De modo: ademais, ainda, apenas, assim, bem, mal, depressa, devagar, só, também.

Advérbio vem do latim adverbium, palavra formada pelo prefixo ad, que significa 'para, aproximação', a palavra 'verbum', que significa 'palavra', mais o sufixo -io, do latim -ium, que quer dizer 'relação, resultado'.

8. Preposição - é a classe invariável que serve para ligar palavras entre si. Via de regra a preposição é colocada antes do termo que acompanha para exprimir a relação em que se encontra este termo relativamente ao resto do enunciado.

É classificada em:

1. Essenciais: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, per, perante, por, sem, sob, sobre, trás.

2. Acidentais: conforme, consoante, durante, exceto, fora, afora, mediante, menos, salvante, salvo, segundo, tirante.

Preposição, do latim preaepositio, composto de prae, que significa 'antes, diante', e 'positio', posição, colocação, do verbo latino ponere. Por dedução etimológica, é um tipo de palavra criada para ser colocada antes de outra e regê-la. Isso faz com que a preposição seja inseparável, portanto, de seu regime, formando um todo significativo com ele.

9. Conjunção - é a classe de palavra invariável que serve para conectar palavras, frases ou orações. 

É classificada em:

1. Coordenativa - conjunção que liga orações da mesma espécie e da mesma ordem.

2. Subordinativa - conjunção que liga orações diferentes de espécie.

A conjunção coordenativa, por sua vez, pode ser de cinco espécies:

1) Aditiva: e, nem, também, não só... mas também..., assim... que...

2) Adversativa: mas, porém, contudo, todavia.

3) Alternativa: ou. ou...ou, já... já. seja... seja, ora... ora, quer... quer, quando... quando.

4) Conclusiva: logo, pois, então, portanto, assim, por isso, enfim, por fim, por conseguinte, donde.

5) Explicativa: ou, isto é, por exemplo, a saber, ou seja, na verdade, além disso, depois.

A conjunção subordinativa é distribuída em dez grupos conforme a ideia que passa à oração subordinada:

1) Integrante: que, se.

2) Causal: porque, que, pois que, porquanto, já que, por isso que, uma vez que, desde que.

3) Comparativa: que, do que, (tal) qual, (tanto) quanto, (tão) quão.

4. Concessiva: embora, quando, quer...quer, ainda que, dado que, se bem que, posto que, conquanto.

5. Condicional: se, salvo se, exceto se, contanto que, caso, a não ser que, a menos que, sem que.

6. Consecutiva: (tão) que, (de tal modo) que, (de forma) que.

7. Final: para que, que, a fim de que, porque.

8. Temporal: quando, enquanto, apenas, mal, desde que, até que, antes que, sempre que, depois que.

9. Proporcional: à medida que, à proporção que, quanto mais... tanto mais.

10. Conformativa: como, conforme, consoante, segundo, da mesma maneira que.

Conjunção vem do latim 'coiunctio', um nome de ação com sufixo -tio formado a partir do supino 'coiunctum', do verbo 'coniungere', ligar conjuntamente, relacionar, unir conjuntamente as partes. Foi usada por Cícero, século I a.C., já com valor de partícula gramatical de ligação, assim como de harmoniosa ligação das frases em um discurso.

10. Interjeição - é a classe invariável que exprime as súbitas manifestações do interior humano: 

Ai!

Oh! 

Interjeição é palavra que provém do latim - interiectio -, um nome de ação com sufixo -tio, do verbo interiicere, que significa 'intercalar, interpor, colocar no meio'. Significa, portanto, primariamente, intercalação, inserção, parênteses de algo em um discurso. Assim a empregou Quintiliano e o autor da Rethorica ad Herennium. Depois desta primeira acepção, o mesmo Quintiliano a usou com o valor que os gramáticos a conferem, ou seja, a de uma palavra meramente exclamativa, isolada, pelo fato destas palavras de admiração suporem uma intercalação ou um parêntese no discurso sem nenhuma ligação sintática com as frases que as cercam ou nas quais se inserem.

Paulo Barbosa

sábado, 30 de novembro de 2019

CONDIÇÕES TRANSCENDENTAIS DA LINGUAGEM

A linguagem, sistema de signos que permite a comunicação entre os homens, como define Lalande em seu Dizionario critico di filosofia, possui três condições transcendentais para a sua existência, ou seja, três componentes absolutos sem os quais é impossível existir, a saber:

1. o sujeito que fala - e se expressa falando;

2. o objeto de que se fala - e é representado mediante a palavra;

3. o interlocutor a quem se fala ou com quem se quer transmitir conhecimento falando.

Caso uma dessas condições falte, a linguagem não pode se dar, pois evidente é que não há sistema de signos se não há quem o manifeste, não há como falar sem objeto sobre o qual versar e sem alguém para quem dizer.

Mac Quarrie, com razão, em sua obra Ha senso parlare di Dio?, assevera ser a linguagem um sistema complexo de relações onde "os três termos são obviamente a pessoa que diz alguma coisa, a matéria de que se fala e a pessoa ou as pessoas às quais se fala". E ainda afirma que "é a linguagem que faz o papel de intermediário para a relação triádica, e é propriamente isso que a constitui" (J. MAC QUARRIE, Ha senso parlare di Dio?, Borla, Turim, 1969, pp. 66-67).

Paulo Barbosa

FÍSICA ARISTOTÉLICA: ELEMENTOS PERENES

A Física Aristotélica possui, pelo menos, três elementos perenes que merecem ser estudados por todo aquele que perfaz o caminho da sabedoria:

1. A análise dos vários tipos de movimentos, ou seja, das mudanças encontradas no mundo que consistem na passagem da potência ao ato, na realização de uma possibilidade.

2. Os estudos aprofundados sobre o tempo e o espaço, entes reais, porém relacionais.

3. A questão teleológica, ou seja, da finalidade, em relação à ordem da natureza. Tudo o que acontece tem uma finalidade ou causa final.

Paulo Barbosa

sábado, 26 de outubro de 2019

OS 'PREDICÁVEIS' OU 'QUINQUE VOCES'

O homem pode conhecer as coisas que o rodeiam de duas maneiras, a saber, por desmembramento e por classificação.

Desmembrar é tomar uma unidade e dividi-la em seus componentes essenciais, tal como quando ao ensinar a alguém o conceito de 'homem' dizemos ser 'animal' e 'racional'. 

Classificar é organizar em grupos que possuem qualidades semelhantes. Aqui se procede, então, do seguinte modo em relação às ideias ou conceitos: 'animal' é gênero, ou seja, pertence aquilo que se denomina gênero. Aqui se atribui ao conceito universal 'animal' o conceito universal 'gênero'; 'racional' é espécie, pertence à classe do que se denomina espécie. Aqui se predica ao conceito 'racional' o conceito 'espécie'.

A classificação das ideias pode também se dar mediante três modalidades:

a) inclusão de uns conceitos em outros. Assim, o conceito 'animal' é incluído no conceito 'homem' - o homem é um animal.

b) complementaridade de noções. Desta maneira, as noções 'metal' e 'amarelo' é 'ouro'.

c) oposição de noções. A noção de 'visão' é oposta à de 'cegueira'.

Esses diversos e distintos modos de se atribuir um conceito universal a um sujeito se chamam predicáveis. Os predicáveis, portanto, são relações lógicas entre os conceitos, são atribuições a um sujeito de conceitos ou noções que permitem fazer uma distinção mental. E são cinco - por isso mesmo denominados de 'quinque voces' e não mais que cinco os conceitos que a inteligência humana pode predicar de um ser, distintos em predicáveis essenciais e acidentais.

Os Predicáveis Essenciais são três, a saber:

1. Espécie - é o conceito ou ideia que representa a essência completa de um indivíduo. Exemplos: quando digo 'racional', digo 'espécie' do gênero animal; 'gato', é 'espécie' do gênero animal; 'rosa', é 'espécie' do gênero planta; 'feldspato', é espécie do gênero mineral; 'mofo' é espécie do gênero fungo; 'bactéria', é espécie do gênero monera. A espécie é um todo e uma parte.

2. Gênero - é o conceito que indica uma parte da essência, ou seja, não a essência completa, total, e é comum a outras espécies. O gênero, portanto, se predica de todas as coisas que estão submetidas à sua abrangência. Exemplos: 'animal' é 'gênero' em relação a 'homem', a 'gato', a 'cachorro', etc.; 'planta' é 'gênero' em relação à 'rosa', ao 'copo de leite', ao 'arroz', ao 'feijão', etc; 'mineral' é 'gênero' em relação ao 'ouro', ao 'diamante', ao 'quartzo', ao 'cobre', ao 'cristal', etc.; 'fungo' é gênero em relação ao 'bolor', ao 'champingon', à 'levedura', à 'orelha-de-pau', à 'tinha', etc.; 'monera' é gênero em relação à 'bactéria', à 'cianobactéria', etc. O gênero é um todo.

3. Diferença Específica - é aquilo que caracteriza de maneira peculiar, própria, a espécie, fazendo com que se distingua das demais. É, em realidade, o conceito determinante do gênero, aquilo que divide o gênero em suas espécies. [ Deve-se observar que existem dois tipos de diferenças: . as intraespecíficas: aquelas que fazem duas coisas serem diferentes somente pela qualidade; . as interespecíficas: aquelas que fazem que as coisas sejam outras. É a esse segundo tipo que pertence a diferença específica.] Exemplo: 'racional' é a diferença específica na definição de homem: animal racional. Toda definição real se faz pelo gênero e diferença específica.


Os Predicáveis Acidentais são dois, a saber:

1. Propriedade - é o conceito indicativo de algo ou alguma qualidade que não pertence à essência, mas que deriva necessariamente dela ou a tem por base. Exemplo: a 'faculdade de rir' é uma propriedade do ser humano. 

Há quatro espécies de propriedades:

a) quod convenit omni et soli, sed non semper = a que convém a todos os homens e somente aos homens, mas nem sempre está presente. Exemplo: 'encanecer'

b) quod convenit soli sed non omni = a que convém somente aos homens mas não a todos. Exemplo: 'ser médico'.

c) quod convenit omni sed non soli = a que convém a todos os homens, mas também às outras espécies. Exemplo: 'ser bípede'.

d) quod convenit omni et soli et semper = a que convém a todos os homens, somente aos homens e sempre está presente. Exemplo: 'a risibilidade'.

Porfírio diz ser esta última a propriedade por excelência, pois, somente nesta o sujeito e o atributo podem intercambiar-se.

2. Acidente - é o conceito que atribui uma característica a um sujeito, mas que não deriva necessariamente de sua essência. O acidente pode, portanto, aparecer e desaparecer sem que o sujeito se destrua. Exemplo: 'ser justo' em relação ao homem ou 'ser músico', etc. Este predicável é também denominado acidente lógico.

Notemos duas coisas, enfim:

As propriedades são acidentes que nos abrem caminho para chegarmos à essência das coisas, o que quer dizer que são necessárias, são decorrências naturais da essência.

Os acidentes lógicos, por sua vez, são dispensáveis à essência, ou são o propriamente acidental, contingencial das coisas, porém, distinguem os indivíduos entre si.

Paulo Barbosa

sábado, 14 de setembro de 2019

MANEIRISMO, ESTILO ARTÍSTICO DE UMA ERA TURBULENTA

Resultado de imagem para o enterro do conde de orgaz

"O Enterro do Conde de Orgaz", El Greco

MANEIRISMO é o nome do estilo artístico surgido nos séculos XVI-XVII, na Itália, no período que mediou entre a Renascença e o Barroco. Devido às transformações profundas que a sociedade de então passava -  religiosa, política, econômica e social - uma estética extraviada, que fugia dos moldes canônicos, também se construiu, haja vista a arte ser uma cosmovisão posta em símbolos. 

Como se pode notar no "O Enterro do Conde de Orgaz", o estilo maneirista se caracteriza pela dissonância, rejeitando, assim, a harmonia, tão presente na arte clássica e renascentista. Os corpos são distorcidos, deformados e alongados e a iluminação é irreal. As emoções intensas estão presentes, mostrando, desta maneira, a grande turbulência do tempo, os pecados do clero reinante, as vendas de indulgências e todos os erros teológicos da igreja imperante de então, erros que motivaram a Reforma Protestante com o fito de restaurar a simplicidade do Evangelho de Cristo.

Obs: Gonzalo Ruiz de Toledo, conhecido como Senhor Orgaz, viveu no século XIV, tendo falecido em 1323, e era uma personagem ilustre da cidade de Toledo, Espanha. Seu enterro foi eternizado por Doménikos Theotokópoulos, artista grego conhecido por El Greco.

Paulo Barbosa

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

ADORAR, UMA PALAVRA CURIOSA

ADORAR é uma palavra de origem e história curiosas, tendo o verbo latino adorare aparecido em cena desde o ano 450 a.C. nas afamadas Leis das XII Tábuas. O significado original, primário, foi o de 'dirigir a palavra a alguém, interpelar', haja vista ser composto dos seguintes elementos léxicos:

    ad = prefixo que significa 'para, a';

   orare = verbo latino que significa 'dizer, falar, pronunciar, discursar como orador, suplicar'. 

Com o correr do tempo, entretanto, passou também a significar 'implorar com orações aos deuses, dirigir súplicas a eles', e é com este sentido que aparece no escritor latino Suetônio, nos séculos I-II d.C., usado para descrever a prosternação e a rendição de culto às divindades, desenvolvendo-se, daí, mais tarde, o valor metafórico de venerar, honrar, amar a uma pessoa, pátria, ou virtudes.

Os gramáticos romanos afirmavam ser o verbo orare denominativo de os, oris (boca), porém, estudiosos atuais cogitam ser etimologia popular por 'orare' estar presente em grupos de palavras ocorridos no grego e no sânscrito e relacionados com a ação de pronunciar palavras de caráter solene e público, matiz este detectado no verbo latino desde seu nascimento.

Paulo Barbosa

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O HEPTÂMETRO DE QUINTILIANO, FERRAMENTA PARA ELUCIDAR FATOS

CIRCUNSTÂNCIA é uma palavra proveniente do latim formada pelas seguintes partes:

    Circum, prefixo latino que significa 'ao redor';

    Stare, verbo latino que significa 'estar parado, estacionado, estar colocado, estar em pé firme';

    Nt, sufixo indicativo de agente;

    Ia, sufixo indicativo de qualidade.

Significa, portanto, circunstância, a qualidade (ia) do agente (nt) que está parado (stare) ao redor (circum).

Esta qualidade - chamada circunstância - modifica a ação de um sujeito, ou seja, está parada ao redor de uma ação, possuindo, destarte, a capacidade de em relação à tal ação voluntária de uma pessoa aumentar ou diminuir a sua bondade ou maldade e até mesmo alterar a sua natureza de boa para má. 

Algumas são, pois, as circunstâncias ou qualidades que, companheiras de uma ação dada, conseguem apurar de maneira lúcida, caso respondidas, o fato decorrente desta ação. Tais circunstâncias, quais ferramentas de apurar fatos, são denominadas de Heptâmetro de Quintiliano, usadas em formas interrogativas para evidenciar ou esclarecer alguma ocorrência. Ei-las:

    "quis" = quem agiu para produzir tal fato? 

    "quid" = o que foi produzido? - compreendendo sua qualidade e quantidade.

    "ubi" = onde foi o lugar da ação?

    "quando" = em que tempo foi realizada a ação?

    "quibus auxiliis" = quais foram os meios empregados na ação?

    "quomodo" = como a ação foi produzida? com advertência e consentimento?

    "cur" = o que motivou o agente a realizar a ação?

A resposta, então, a essas 7 perguntas, que são circunstanciais de toda ação, elucida qualquer fato ou ocorrência. A pessoa, o fato, o lugar, o tempo, o meio, o modo e os motivos são propostos em forma de perguntas diante de qualquer ação praticada, chegando-se, assim, ao serem respondidas corretamente, reafirmo, ao resultado final, esgotando, portanto, o assunto.

Paulo Barbosa

sexta-feira, 5 de julho de 2019

APETITES SENSITIVOS NO HOMEM

APETITE é palavra proveniente do latim, appetitus, do verbo appetere, que significa tendência ou força que se dirige para algo. Pois bem, os homens possuem aquilo que se denomina Apetite Sensível, a saber, inclinação voltada para as formas que o conhecimento sensível - aquele que resulta da ação dos objetos sensíveis sobre os sentidos - apreende como bens ou como formas boas.

Há, entretanto, duas espécies de apetites, o concupiscível e o irascível.

Apetite Concupiscível, também denominado Desejo, é a atração que sentimos pelos bens desejáveis quando os conhecemos através dos nossos sentidos. O oposto a isso é a Aversão por tudo aquilo que nossos sentidos conhecem como indesejáveis ou destrutivos. 

Os sentimentos pertencentes a esta espécie de apetite são: Amor ou Ódio; Desejo ou Fuga; Alegria e Tristeza. Em tais sentimentos, conhecemos sensivelmente as coisas e, conforme se nos apresentam, atrativas ou repulsivas, as amamos ou odiamos, as desejamos ou fugimos, nos alegramos ou nos entristecemos. 

Esta espécie se chama concupiscível por sua busca, inclinação ou aversão serem sem nenhum esforço da parte do homem.

Apetite Irascível, também chamado Impulso, é a atração que o homem possui pelos bens árduos, difíceis, devido ao conhecimento dos valores existentes nesses bens, valores perenes, conhecidos através da estimativa ou do pensamento valorativo humano. O oposto da atração é a Aversão ou Fuga dos males difíceis de serem evitados.

Os sentimentos pertencentes a esta espécie de apetite são: Esperança ou Desespero; Medo ou Audácia; Cólera. Nestes sentimentos somos atraídos por algo que possui valor, mas que ainda não o temos, como na esperança, ou desistimos, perdendo a esperança, quando nos sentimos impotentes para alcançar tal bem. Ante algo que nos ameaça, tememos, ou tentamos destruí-lo com ousadia. E contra aquilo que nos contraria nos insurgimos com fúria ou ira desmedida.

Esta espécie se denomina irascível por causar no homem certo arroubo ou paixão na consecução ou desistência do bem.

Paulo Barbosa

sábado, 18 de maio de 2019

FIGURAS DE PALAVRAS NA BÍBLIA

[Publico aqui um plano de aula do Curso de Humanidades que ministro com o fito de aproveitamento por maior números de pessoas].


CURSO DE HUMANIDADES

Paulo Barbosa
Ano: 2019

ESTILÍSTICA

Figura de linguagem são aspectos assumidos pela linguagem com o propósito de expressividade, ou seja, chamar a atenção do público a quem é dirigida. Quando presente a figura, há afastamento do valor linguístico original, denotativo, normalmente aceito. 

Há três espécies de figuras: 1. de palavras ou tropos; 2. de sintaxe; 3. de pensamento.

Aqui somente as figuras de palavras serão estudadas, isto é, aquelas figuras que desviam as palavras de seu significado original, normal.

FIGURAS DE PALAVRAS

1. Metonímia / Sinédoque:

a) Substituição entre palavras de significação correlata, de modo que uma evoca a outra.
b) Substituição de um termo por outro de extensão desigual.

"Vinde, firamo-lo com a LÍNGUA" (Jr. 18,18).

"Não podeis beber o CÁLICE do Senhor" (I Cor. 10,21).

"Os seus PÉS correm para o mal" (Sl. 139,2).

"O PÃO nosso de cada dia dá-nos hoje" (Mt. 6,11).

2. Comparação ou Símile:

Cotejo de dois seres e ou objetos destacando-se as suas semelhanças, características ou traços comuns de maneira explícita, ou seja, mediante o uso de partículas comparativas: como, tal qual, assim, quanto, que nem, feito, parece, etc.

"Será COMO a árvore plantada junto a ribeiros de água;

Os ímpios são COMO a moinha que o vento espalha" (Sl. 1,3-4).

"Eu vos envio COMO cordeiros para o meio de lobos" (Lc. 10,3).

"Toda carne é COMO a erva" (1.Pe. 1,24).

OBS: além desta comparação assimilativa há ainda a comparação gradual, por grau implícito (usando: muito, pouco, grande, pequeno; diminutivos; aumentativos; verbos iterativos) ou explícito (usando: mais, menos; acima, abaixo, antes, depois).

3. Metáfora:

Translação de sentido fundada na semelhança entre ideias. Por este modo, pode-se afirmar de maneira inconfundível que uma coisa é outra.

"Pois o Senhor Deus é SOL e ESCUDO" (Sl. 84,11).

"Ele é meu REFÚGIO e minha FORTALEZA" (Sl.9,12).

"Vós sois o SAL da terra" (Mt. 5,13).

"Eu sou a PORTA" (Jo. 10, 9).

"Eu sou o CAMINHO" (Jo. 14, 6).

4. Catacrese:

É a aplicação de um termo figurado a algo por falta de um termo apropriado, porém com o esquecimento da significação primitiva da palavra que passa a exprimir conceito diverso do original. É uma metáfora desgastada que se torna consagrada pelo uso frequente.

"E saía um rio do Éden para regar o jardim e dali se dividia, repartindo-se em QUATRO BRAÇOS" (Gn. 2,10).

"E tomou a mulher a tampa, e a estendeu sobre a BOCA DO POÇO, e ESPALHOU grão descascado sobre ela; assim nada se soube" (II Sm.17, 19).

"São estes, ó Israel, os teus DEUSES, que te tiraram da terra do Egito" (Ex. 32, 4).

5. Antonomásia ou Perífrase:

É a metonímia que consiste em substituir o nome próprio por outro nome ou por uma expressão ou frase que dê a entendê-lo.

"Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros" (Ex. 3,14).

"Vós, porém, negastes o SANTO e o JUSTO e pedistes que vos concedessem um homicida" (At. 3, 14).

"Estendeu ela a sua ramagem até ao MAR" (Sl. 80,11).

"E por um PROFETA Deus fez subir Israel do Egito" (Os. 12,13).

"O ALTÍSSIMO"; "O SENHOR" (Mt. 21,3); "O MESTRE" (Mt. 26,18); "O FILHO DO HOMEM", etc.

6. Sinestesia:

É a união de termos que expressam diferentes percepções sensoriais. Nesta figura há uma mescla numa mesma expressão de sensações percebidas por diferentes órgãos dos sentidos, tipo em 'um GRITO ÁSPERO', onde grito refere-se ao ouvido e áspero ao tato.

"E todo o povo VIU os trovões" (Ex. 20,18).

"Deixa-me ouvir tua voz; tão DOCE a tua voz" (Ct. 2,14).



quarta-feira, 15 de maio de 2019

CONECTIVOS NAS SUBSTANTIVAS INFINITIVAS LATINAS

O conectivo vem oculto e o sujeito vai para o acusativo nas orações substantivas infinitivas em que entram os verbos saber, conhecer, pensar, sentir, dizer, perceber e semelhantes:

Legati dixerunt reliquos omnes Belgas in armis esse (César, B.G. II, 3).

Os embaixadores disseram QUE todos os Belgas restantes estavam em armas.


Entretanto, o conectivo vem expresso e o modo é o subjuntivo quando os verbos são rogar, pedir, querer e seus contrários:

Obsecro UT attentes bona. 

Peço-te QUE procedas bem.

Paulo Barbosa

A MORFOLOGIA DO CARDINAL 'UNUS'

A morfologia do numeral cardinal UNUS provém de uma antiga forma - οinos -, correspondente ao grego οινος (oinos). 

Νο período arcaico da língua latina era muito comum o ditongo οι, como, por exemplo, em comoine em vez de communem (comum), oinvorsei em lugar de universi. Entre as formas oinos e unus ainda existiu a intermediária oenus.

O renomado latinista Henri Goelzer observa que em Lucílio, satirista latino do século II a.C., aparece a forma noenu como contração de ne oenum, ou seja, ne unem = nenhum.

Não confunda, porém, a forma arcaica do cardinal com o substantivo οινος, vinho.

Paulo Barbosa