terça-feira, 17 de maio de 2011

EXÓRDIO DE UM DISCURSO LAUDATÓRIO DE GIOVANNI CATALDO PARÍSIO

Cataldo Sículo
Giovanni Cataldo Parísio, conhecido também como Parísio Sículo foi um poeta humanista dos séculos XV-XVI, nascido provavelmente na Sicília, em 1455, mais precisamente em Palermo. Foi para Portugal em 1485 a convite do rei Dom João II, para ser professor de seu filho bastardo, Dom Jorge, que se encontrava sob a tutela da princesa Santa Joana, irmã do rei, no Convento de Jesus, em Aveiro. Foi ainda professor de Dom Afonso, filho legítimo do rei com Dona Leonor. Mais tarde, devido a seu imenso conhecimento do latim e à sua diserta oratória, começou a secretariar diretamente ao rei na redação de cartas em latim destinadas à Santa Sé e a monarcas e príncipes europeus. Morreu em 1517 em Portugal, após longa enfermidade que o deixou paralítico.

Cataldo pronunciou na cidade de Évora o discurso de saudação à princesa Isabel de Castela, noiva do príncipe Dom Jorge, que chegava para se casar. Aqui veremos o exórdio desta preciosidade literária em latim e, em seguida, sua tradução. É uma verdadeira pérola de oratória, onde a princesa é tratada como uma divindade, mostrando assim o esplendor da nobreza absolutista do Renascimento. Podemos também conferir por esta peça literária como o latim, e aqui o humanístico ou renascentista, era usado na vida pública das cortes, indo de cartas a discursos. Aliás, o latim renascentista tornou-se mesmo o veículo de comunicação internacional na Europa de então.


EXÓRDIO DO DISCURSO DE ENTRADA EM ÉVORA DA PRINCESA DONA ISABEL


"Ecce lux mundi tandem apparuit, ecce lux mundi tandem effulsit, ecce lux mundi tandem aduenit, quae longo tempore non sine maximo omnium gentium dolore latuit. Quae lux adeo clara, adeo splendida, adeo potens est ut omne oculorum meorum acumen intuenti mihi suis radiis eripiat, auditum minuat, linguam dicenti torpere, mentem omnem prorsus faciat hebescere. Quid dicam, quid agam, quo me uertam, nescio. Nunc nunc uellem, clarissima lux, licere oratoribus quid poetis licet: in principio operum numen aliquod inuocare. Ego enim non unius, aut Phoebi aut Calliopes, sed omnium deorum auxilium implorarem. In his paucissimis quae ciuitatis Eburae nomine celsitudini tuae expositurus uenio. Immo (ut christiane loquar) ad Deum ipsum, omnium rerum conditorem, quem trinum et unum credimus, confugerem. Quinetiam tanta est nunc mentis meae trepidatio, tanta animi caligo, tanta confusio ex claritatis tuae aspectu meis uisceribus exorta ut salua pace nullorum deorum, nullarum dearum memor exstam, sed tantummodo numinis tui incredibilem uigorem pauidus, stupidus, trepidus, territus, et uix pedibus me sustinens mecum ipse contemplor, quandoquidem formosissimi corporis figuram prae immenso splendore (ut desidero) intueri nequeo. Terrent etiam me animi tui inumerae uirtutes, quarum (ut publica fama est) quae magis excellat in te difficile est iudicare. Et certe licet non nihil paratus premeditatusque ad dicendum ueneram, uiso tamen tanti sideris fulgore, statim quid dicendum proposueram, e memoria excidit quid cum perdiderim, me quoque hoc dedecore perditum esse animaduerto".


[Eis que a luz do mundo enfim apareceu, eis que a luz do mundo enfim refulgiu, eis que a luz do mundo enfim aproximou-se, ela que por muito tempo se escondeu, não sem a dor máxima de todos os povos, luz que é a tal ponto clara, a tal ponto esplêndida, a tal ponto potente que toda a acuidade de meus olhos arranca, com seus raios, a mim que a contemplo, diminui minha audição, faz entorpecer a língua, a mim que discurso, faz, em verdade, enfraquecer-se absolutamente toda a minha mente. O que direi, o que farei, para onde me virarei, não sei. Agora mesmo, ó ilustríssima luz, eu desejaria que fosse permitido aos oradores o que é permitido aos poetas: invocar alguma divindade no início de suas obras. Com efeito, eu mesmo não imploraria o auxílio de uma só divindade, do deus Febo ou da musa Calíope, mas o auxílio de todos os deuses, nestas palvras tão breves, que venho expor, a vossa majestade, em nome da cidade de Évora. De outro modo, para falar de maneira critã, eu me refugiaria junto ao próprio Deus, criador de todas as coisas, que cremos ser trino e uno. De que forma é tão grande a trepidação de minha mente agora, tão grande a neblina de meu espírito, tão grande a confusão nascida da percepção de tua claridade em minhas entranhas que, sem dúvida, não me lembrarei de nenhum deus, nem de nenhuma deusa, mas tão somente contemplo eu mesmo, comigo, apavorado, estarrecido, trepidante, atemorizado, e mal me sustendando em meus pés, o incrível vigor de tua divindade, porque não posso perceber o aspecto deste formosíssimo corpo, como desejo, diante deste imenso esplendor. Também aterrorizam-me as inúmeras virtudes de teu espírito, das quais, como já é notório, qual mais se sobressai em ti é difícil de julgar. E certamente, embora eu viesse preparado e premeditado para discursar algo, visto, entretanto o brilho de tão grande estrela, aqui de pé, o que me propusera para discursar escapou-me da memória, quando perdi-me, percebo ter me perdido nesta indignidade].

Paulo Barbosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário