quarta-feira, 11 de novembro de 2015

OS PEDAGOGOS ROMANOS


A educação em Roma sempre foi considerada função da família, mesmo após a abertura de escolas pela Urbe, e devido a isso, nunca houve grandes pedagogos na Cidade Eterna, como também careceu de grandes filósofos. Outro fator também para esta carência era que os Romanos eram homens preocupados com assuntos de ordem prática, com estudos de utilidade imediata, como Agricultura, Direito, etc., e não se interessavam, portanto, pelos problemas de ordem especulativa, como são a Filosofia e a Pedagogia. No entanto, podemos destacar alguns exímios homens que contribuíram de alguma maneira para a arte do ensino, para a pedagogia, mais precisamente três ilustres sábios romanos, CatãoCícero Quintiliano.

 CATÃO

Catão, o Velho
MARCO PÓRCIO CATÃO, conhecido como CATÃO, O VELHO(234-149 a.C.), rigorosamente falando, não é um pedagogo, mas deve ser mencionado devido a ter sido o representante mais autêntico do velho espírito nacional dos romanos, na sua reação contra a influência dos gregos, como também um expoente do pensamento pedagógico romano antes da infiltração helênica.

INÍCIO OBSCURO E FUNÇÕES NA URBE

Os inícios da vida de Catão são obscuros, sabendo-se porém que foi soldado e que combateu contra Cartago. Após, exerceu vários cargos políticos, onde sua honradez, honestidade, brio e senso de civismo, tornaram-se proverbiais. Tornou-se um nacionalista extremado, sentimento este que o fez insurgir contra o progresso dos cartagineses, reclamando insistentemente, no Senado, a destruição de Cartago, e terminando todos os seus discursos com a máxima "Carthaginem esse delendam", "Deve ser destruída Cartago". Levantou-se também contra a influência grega nos costumes e na cultura romana, escrevendo: "Crede-me, minhas palavras são proféticas, quando essa raça nos der a sua literatura, tudo se corromperá".

Para se compreender o anti-helenismo de Catão é necessário ter em conta a severidade dos costumes morais dos romanos, sobretudo dos 'velhos romanos' em contraste com o dos gregos que, em geral, viviam uma vida leviana, sensual, dissoluta, o que traduzia na sua literatura.

DESPREZO DA LITERATURA E CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS

A educação literária era menosprezada por Catão, afirmando que os únicos conhecimentos necessários ao bom cidadão eram os da lei, da arte da guerra, da Agricultura, da Oratória e da Medicina, medicina esta, no entanto, que não deveria ser a dos gregos que, segundo ele, estaria destinada a matar todos os romanos. 

ELOQUÊNCIA CATÔNICA: RUDE, MAS PERSUASIVA E SUAS OBRAS

Foi Catão o primeiro orador romano que publicou todos os seus discursos, embora sua eloquência estivesse muito longe da primorosa retórica de um Cícero, devido a sua rudeza e naturalidade. Mesmo assim Cícero teve por Catão a maior admiração.

Apesar desta eloquência rude e natural, era fortemente persuasiva, devendo-se a ela, por exemplo, a destruição de Cartago. A Retórica catônica era também diferente da Retórica grega, sobretudo por se dirigir para a realidade das coisas e não apenas para os artifícios oratórios. Catão dizia que o orador deveria ser antes de tudo homem bom - "Vir bonus dicendi peritus", "o homem bom, perito no falar" -, e acerca da verdadeira formação do orador, escreveu um compêndio dedicado ao seu filho Marco, sendo este o primeiro tratado romano sobre o assunto. Além deste tratado, escreveu também um manual prático sobre a Agricultura, denominado De re rustica, sendo este também o primeiro livro publicado em Roma sobre a matéria, e o único que chegou completo até os nossos dias. Muitos outros livros didáticos escreveu o Censor, sobre Moral, Economia, Direito, Artes militares, Medicina, etc., porém, perdidos.

EDUCAÇÃO DO FILHO E CAPITULAÇÃO DO PAI

Catão colocou em prática suas ideias pedagógicas ao educar seu filho Marco de acordo com o velho modelo da educação romana, encarregando-se ele próprio de ser o mestre. Alguns historiadores dizem que chegou mesmo a escrever um compêndio próprio para a educação do filho, intitulado "Preceitos para meu filho". Com o passar do tempo, no entanto, já na velhice, Catão teve de ceder às injunções da época, confessando-se derrotado na sua luta contra o helenismo, vindo ele mesmo a aprender grego, mas "apenas para dar uma olhadela na literatura grega, e nunca para estudá-la intensamente", como dizia.

CÍCERO

Cícero
MARCO TÚLIO CÍCERO (106-43 a.C.), o mais eminente orador romano, o representante mais típico, no dizer de Sêneca, da mentalidade romana, "coincidindo o espírito do povo romano com o de Cícero". Ao contrário de Catão, era um helenista perfeito, falando e escrevendo com toda proficiência a língua grega, versando com desenvoltura toda a cultura filosófica e retórica dos atenienses, mas desprezava a literatura decadente que, segundo ele, tornara-se objeto de comércio, voltando-se tão somente para os grandes mestres atenienses da áurea idade, apresentados por ele ao povo romano como sendo os únicos modelos dignos de imitação.

OBRAS

As idéias acerca da educação de Cícero estão expressas nos seus diálogos, sobretudo no "De Oratore". A base de sua pedagogia é inteiramente platônica e, como tal, de inspiração política, tanto que, ao tratar da teoria do Estado, fê-lo Cícero em diálogos que receberam os mesmos nomes dados por Platão aos seus tratados do mesmo assunto: "República" e "Leis".

OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO

Para Cícero, o objetivo da obra educativa era o pleno desenvolvimento da natureza humana, o que estava condicionado pelas peculiaridades de cada indivíduo, pois competiria à educação formar o homem e formar o profissional, devendo este último aspecto da formação estar inteiramente de acordo com a vocação, traduzida nas aptidões naturais de cada um. O ideal de formação humana traduzia Cícero pela expressão "humanitas", expressão que ele teria sido o primeiro a empregar e que corresponderia à "paideia" dos gregos. A suprema vocação humana seria a do orador político, que deveria reunir em si, como atributos fundamentais, a agudeza do dialeto, as ideias do filósofo, a memória do jurista e os movimentos do ator trágico.

CURSO DE ORATÓRIA

Na pedagogia ciceroniana, o curso de oratória - com o Rhetor - deveria se dividir em duas partes: A "puerilis institutio", espécie de curso básico, e o "politior humanitas", correspondente ao curso superior. As matérias que deveriam estar na base da formação do orador seriam quase as mesmas da Enciclopédia grega: Filosofia (em lugar da dialética), Matemática, Retórica, Geometria e Astronomia. Estas disciplinas foram chamadas de "Artes Liberais" pela primeira vez por Cícero. Além destas matérias fundamentais, deveriam ser estudadas ainda a História e a Jurisprudência, disciplinas que, juntamente com a Filosofia, constituíam o ponto mais importante do currículo do orador, que, segundo Cícero, deveria ser filósofo antes de tudo com ampla perspectiva da História de seu povo e profundos conhecimentos das Leis que o regiam.

HABILIDADES NATURAIS DO INDIVÍDUO

O êxito, porém, da formação oratória, segundo Cícero, dependeria menos dos estudos realizados com esse objetivo, das regras e normas aprendidas nos tratados e nas escolas, do que da habilidade individual de cada um. Nesse particular, a sua pedagogia era radicalmente oposta à dos outros rétores, que pretendiam formar oradores partindo apenas das regras estabelecidas para esse fim. A Retórica tinha, portanto, para Cícero, uma utilidade relativa, pois dizia ele: "Não foi a Retórica que gerou a eloquência, mas a eloquência foi que gerou a Retórica".

QUINTILIANO

Quintiliano
MARCO FÁBIO QUINTILIANO (35-96 d.C.), natural da Espanha, foi para Roma ainda muito jovem, onde teve como professores o gramático Palemon e o rétor Domício Afer. Dedicou-se depois à advocacia e ao magistério. Tendo o Imperador Vespasiano estabelecido o ensinamento estatal oficial, foi Quintiliano o primeiro professor de Retórica a receber salário do Estado. Entre seus numerosos alunos figuravam Plínio, o Jovem, e o futuro imperador Adriano. 

OBRAS

Após vinte anos de estudos e de magistério, escreveu Quintiliano seu principal livro, o "De institutione oratoria", vasta obra de 12 volumes e que não é somente um compêndio de oratória, mas um verdadeiro tratado de Pedagogia, contendo muitos preceitos ainda hoje dignos de admiração e que sempre exerceram grande influência no domínio da educação, sobretudo na época do Renascimento.

A preocupação de Quintiliano ao escrever este livro era estabelecer as normas para a formação do perfeito orador, ideal supremo da pedagogia romana, imbuída de pragmatismo, conforme vimos já nos primeiros artigos. O tipo ideal de orador era, para o romano, ao mesmo tempo, o tipo ideal de homem, e é por isso que os preceitos da "Instituição Oratória" não eram apenas preceitos de Retórica, mas de formação geral do homem, preceitos pedagógicos estes muitas vezes fundados no mais sadio bom senso.

ESCOLA LÚDICA

A escola-brinquedo foi preconizada por Quintiliano, antecipando-se assim aos pedagogos modernos. Recomendava "que o estudo para o aluno seja como um jogo: interroguemo-lo, louvemo-lo, e que ele mesmo possa aplaudir seu próprio saber". De acordo com essa norma, o alfabeto deveria ser ensinado utilizando-se letras de marfim, com o intuito de se despertar o interesse das crianças.

PERFIL PSICOLÓGICO DO EDUCANDO

Quintiliano viu também a necessidade de se embasar o ensino nas peculiaridades psicológicas do educando, e por esse motivo ensinava: "O primeiro cuidado do mestre deve ser o conhecimento seguro do espírito e do caráter de seus alunos". Professava um grande respeito à personalidade infantil, o que se evidencia na sua maneira de discorrer sobre as relações entre alunos e mestres e sobre os castigos como fatores de disciplina, estabelecendo que deveriam os mesmos ser substituídos pela doçura e persuasão. Reconhecendo a importância das impressões da primeira infância, escreveu Quintiliano: "Os vasos conservam o gosto do primeiro licor nele vertido, e a lã, uma vez manchada, não adquire mais sua primitiva brancura".

DEFEITOS DA PEDAGOGIA

O defeito maior da doutrina pedagógica de Quintiliano, sem falar no seu estatismo, foi o formalismo da grande maioria de seus preceitos, que algumas vezes esqueciam o homem, para ver no educando apenas o futuro orador. No fundo, este esquecimento do homem era o vício de toda pedagogia pagã, e mutatis mutandis, também de boa parte da pedagogia moderna que visa não formar o orador, mas o pragmático das eras modernas, o homo-technicus de nossos dias. Com muita frequência, a pedagogia de Quintiliano se preocupava mais com as qualidades literárias que visava a desenvolver, do que com os atributos verdadeiramente humanos, cujo aperfeiçoamento constitui o fim essencial da educação.

Paulo Barbosa

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