Ovídio, nas Metamorfoses, ao descrever a Idade de Ouro, emprega em duas passagens, duas palavras diferentes, mas sinônimas, para designar SEGURO, no sentido de 'livre de perigo'. Vejamos:
"... Nec supplex turba timebat judicis ora sui, sed erant sine vindice tuti"
"Sine militis usu mollia securae peragebant otia gentes".
Tuti e securae têm a acepção de seguros, de livres de perigo, porém cada qual com um matiz diferenciado, específico. Tutus, que é o nominativo singular, significa seguro ou algo, alguém que está seguro no sentido de que nada tem a temer, de que não existe objetivamente nenhum perigo que lhe possa sobrevir, não temendo, portanto, a nenhuma situação hostil, a nenhum mal iminente. Já securus é a pessoa segura que nada teme por se julgar livre de perigo, mas tal isenção de perigo é subjetiva, só existe na cabeça dela, ou seja, é uma seguridade aparente e não real, objetiva, como a do tutus. Ao contrário deste que não corre perigo, o securus pode correr, mas não o sabe, mas ignora, por julgar que sempre está livre de qualquer situação desastrada.
Para exemplificar: um homem sem inimigos está tutus, está objetiva e realmente isento de tal perigo. Agora, aquele homem que tem inimigos, mas que julga estar protegido de seus ataques por morar longe ou ter seguranças, está securus, mas jamais tutus.
As duas passagens latinas acima, então, pelo que vimos, devem, assim, ser entendidas:
"...Nem a turba suplicante temia o semblante de seu juíz, mas estavam seguros sem protetor", ou seja, objetivamente estavam livres de perigo.
"Sem emprego de soldado, os povos seguros gozavam doces ócios", ou seja, tais povos nada temiam por julgarem-se subjetivamente livres de perigo.
Tutus vem do verbo latino tueri = ver, olhar, e depois, observar. Então, o tutus é aquele que está objetivamente isento de perigo por ser visto, ser protegido, por alguém. Passou para a língua portuguesa, como em tutor = aquele que legalmente é obrigado a tutelar alguém. Já securus é palavra composta de se = sem + cura = cuidado, inquietação: é o que está livre de cuidados ou inquietações. Esta mesma palavra passou para o português, seguro, sofrendo apenas a sonorização do c, fonema surdo, pelo g, fonema homorgânico sonoro.
Paulo Barbosa
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