NARRAÇÃO é o tipo textual em que se encontra uma animada pintura da vida humana, uma verdadeira sequência de fatos ou episódios sobre alguém. É mais do que a simples descrição na ordem crescente de complexidade e dificuldade.
Diferença entre descrição e narração. A descrição faz ver um objeto, uma pessoa, uma paisagem, até mesmo um ato, porém, não penetrando na sua essência, no seu íntimo, não conhecendo o seu fator psicológico, a sua causa. Já a narração deve fazer tudo isso que se omite na descrição, deve manifestar o estado de espírito, os sentimentos, a profundidade da alma, produzindo, por assim dizer, uma verdadeira sequência de atos humanos.
Evolução da prosa narrativa. Entre os gregos e romanos esse tipo textual teve pouca importância, pouco desenvolvimento, mas o encontramos, todavia, nas fábulas de Esopo, nos apólogos míticos e filosóficos de Platão, na História de Alexandre Magno por Quinto Cúrcio. Na Idade Média, aparecem os ciclos romanescos de Carlos Magno e seus pares, de Artur ou da Távola Redonda. No século XVII, a poesia bucólica começa a ser narrativa. No século XVIII, surge o romance de costumes, narração filosófica, péssima e perversa nas mãos de Voltaire, histórica e pesada com Marmontel, idílica e pastoral com Bernardin de Saint Pierre em "Paulo e Virgínia". No século XIX, a narração reveste todas as formas, investe em todos os campos, se torna presente em todos os desvarios políticos, morais e religiosos, porém, a sua técnica se apura. No século XX, alcançou o mais alto grau de perfeição.
As mais antigas narrações em português. Em português, as obras mais antigas em prosa narrativa são os denominados Nobiliários ou Livros de Linhagens, que são os registros e as crônicas da aristocracia lusitana. Encontra-se também no Fabulário conhecido como Livro de Esopo do século XIV.
A narração dessa época é caracterizada pela infantilidade da prosa, por períodos construídos com acúmulos de orações coordenadas continuamente presas pela conjunção e e a prosa se limitava a transmitir pura e simplesmente o modo de falar popular sem nenhum adorno literário.
A esse período se segue a chamada Escola Espanhola, que vai de 1383 a 1521, época dos cronistas nomeados pelos reis para escrever os feitos do reino. As crônicas, escritas por homens ilustrados, já possuem todo um trabalho literário. Em vez de construção simplista, de orações coordenadas, prepondera a construção latina, com períodos plenos de subordinadas. Fernão Lopes, pai da historiografia portuguesa, é o mais singelo da Escola por ser mais chegado ao modelo popular. Já Rui de Pina, diplomata e cronista português, produz períodos em que as subordinadas se sobrepõem de tal modo que se torna com muita frequência incompreensível e indigesto. Eanes de Zurara também abusava das construções subordinadas.
A Escola Quinhentista sucedeu à Espanhola, influenciada pela Renascença italiana. O estilo torna-se ornado, os escritores estudam a fundo a retórica de Cícero e imitam o estilo dos prosadores latinos. Até as mulheres estudam latim e grego, como Paula Vicente e outras. Entre os cronistas desta época sobressaem João de Barros com as "Décadas", concluídas por Diogo do Couto, e Fernão Lopes de Castanheda. Portugal lança-se ao mar fazendo-se descobridor de novas terras, aparecem viajantes com suas narrações de viagens. Fernão Mendes Pinto é um dos que se avulta no gênero. A prosa dos escritores é sincera e desperta interesse, pois narram o que viram e ouviram. Surge também a crônica pessoal com Bernardim Ribeiro, autor de "Menina e Moça", primeiro ensaio de prosa de romance, sempre com inclinação para o período subordinado.
A Escola Gongórica, século XVII, possui uma prosa narrativa cheia de afetação e, muitas vezes, com excesso de cultismos. Frei Luiz de Sousa se faz notável entre os historiadores ainda não contaminado e cuja expressão é bastante pura, sem floreios. Jacinto Freire de Andrade, pelo contrário, é exímio exemplo de afetação e ornamentos em sua "Vida de Dom João de Castro". Padre Manuel Bernardes, embora não abandonasse de todo o cultismo, é um narrador de gênio, narrando sobretudo milagres e lendas com uma prosa entre a clássica e a moderna onde se encontram as qualidades de concisão, clareza e precisão invulgares.
A Escola Romântica, nos séculos XVIII e XIX, cria um outro estilo narrativo, deixando de lado os períodos subordinados e o estilo indireto. Torna-se uma produção concisa e rápida, com a composição predominando mais pela coordenação do que pela subordinação. O novo estilo vai em busca de termos de reforço, procurando intensificar os fatos e dando vida às personagens. Se nas narrativas antigas os fatos se sucediam, nessa moderna, são as personagens que se sucedem realizando os fatos. No fundo, a escola romântica substituiu quase a narração por uma descrição com aspectos movimentados, sendo esse o característico da prosa narrativa de nossos dias nos romances e nas novelas.
Paulo Barbosa
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